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Luiz Pagano no NorChem e Chemical Bank |
Minha trajetória no mercado financeiro começou em meio a um dos momentos mais conturbados, em 10 de fevereiro de 1989, perdi meu pai, e foi nesse cenário de dor e incerteza que meu primo, Paulo Moraes, estendeu a mão e me arranjou uma colocação no Banco Noroeste, na área de câmbio. Entrei como auxiliar e logo fui promovido à técnico de Câmbio, lidando com os formulários da CACEX do Banco do Brasil, numa época em que os incentivos à exportação tinham um peso enorme. Logo depois, fui para a contabilidade centralizada de câmbio e, na sequência, para o departamento de garantias.
Como tinha pressa de crescer e queria ocupar posições de liderança mais rápido do que o ritmo natural do banco permitiria, tomei a decisão ousada de migrar para o Banco NorChem — algo que, fora o Paulo Moraes, meu primo, ninguém havia feito - O pessoal do NorChem enxergava os funcionários do Banco Noroeste com um certo proconceito, como "primos menos competentes".
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O Banco NorChem estava localizado nos 11º e 12º andares do Cetenco Plaza, na Avenida Paulista 1842 |
No NorChem, entrei para cuidar da rotina de exportação, e logo percebi o choque de estrutura. No Banco Noroeste, a área de exportação tinha 23 pessoas, e a de importação outras 17. No NorChem, tudo o que 40 pessoas faziam no Noroeste, era executado apenas por mim, uma estagiária e minha gerente. Mesmo com um fluxo de trabalho menor que o do Noroeste, a sobrecarga operacional era enorme.
Para piorar, minha gerente era microgestora — controlava tudo de perto, o que tornava mais difícil ainda criar ritmo e autonomia. Lembro nitidamente de meus primeiros dias, épcoa do Natal de 1993: recebi dezenas de documentos de embarque de PET da Celbras, destinados à Coca-Cola em Atlanta. Por uma semana inteira, dormi apenas quatro horas por dia para dar conta de tudo.
Naquela fase do mercado financeiro, tudo era muito diferente do que existe hoje. A operação no Banco NorChem exigia domínio de vários sistemas e tecnologias que, embora avançadas para a época, eram extremamente manuais e limitadas.
Para registrar e controlar as operações de exportação e importação, usávamos um sistema de gerenciamento de câmbio chamado ChipShop, que rodava em PCs integrados por rede Novell e interfaces pouco intuitivas. Além disso, havia a obrigatoriedade de alimentar o SISBACEN, sistema do Banco Central, que exigia digitação código por código — sem margem para erro.
A comunicação interbancária era baseada em ferramentas pré-internet, tais como o Telex para mensagens formais de câmbio e transferências internacionais e o fax para envio de documentos de embarque, contratos e cartas de crédito.
O banco ainda oferecia um sistema de cash management chamado Chemlink, voltado para clientes corporativos, e trabalhávamos com o FTPC (Funds Transfer by Personal Protocol Computer), que era uma forma inicial de integração com a rede SWIFT, usada para transferências internacionais.
Internamente, a comunicação era feita pelo Netcom, um e-mail restrito à intranet da rede Novell, algo que hoje parece rudimentar, mas que na época era tecnologia de ponta.
Na mesa de operações, havia apenas um terminal da Reuters, as cotações e dados de mercado apareciam naquela única tela, e nós precisávamos passar as informações manualmente para uma macro no Lotus 1-2-3, que era o precursor do Excel. Automatização era praticamente artesanal.
A combinação de sistemas fragmentados, pouca automação, cobrança intensa e equipes enxutas fazia cada tarefa demandar muito mais esforço do que hoje. E ainda assim, tudo precisava ser feito com precisão absoluta, dentro de prazos rígidos e sob supervisão constante.
TAMBÉM HOUVE RESPIROS E GANHOS
Apesar da pressão e das dificuldades, aquele período não foi só desgaste. Aproveitei as oportunidades e fiz diversos cursos, como matemática financeira e idiomas com professores nativos — algo que me abriu horizontes e me preparou para outros níveis de atuação.
Havia também diferenças positivas em relação ao Banco Noroeste: enquanto lá existia um departamento de 'Conciliação Bancária' com 7 pessoas apenas para conciliar discrepâncias da “conta transitória”, um montante enorme de debitos sem créditos correspondentes, no NorChem nenhum lançamento contábil podia ficar sem a contrapartida correspondente e era fechado no mesmo dia. O departamento de liquidações financeiras sempre ficava até o último horário para fechar a conta transitória em D+0, o que evitava acúmulo de pendências, eliminava preocupações e poupava retrabalho para todo mundo.
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Tenho dezenas de diplomas de cursos que fiz |
Depois de diversos desentendimentos com a gerente, fui remanejado para a dealing desk. Achei que seria um recomeço dentro do próprio banco, mas não houve tempo. A minha passagem pelo NorChem foi interrompida de forma abrupta com a demissão na época da fusão com o Chase. Além da reestruturação, eu já estava no limite, vivendo um burnout muito grave.
Eu tinha estudado Comércio Exterior na FGV movido pelo desejo de conhecer o mundo, viajar, entrar em contato com outras culturas...
... dentro do banco, a realidade era outra: só via escritórios e pressão.
Decidi mudar de vida e migrei para o setor de equipamentos de cozinha e bebidas. Foi nessa nova fase que, finalmente, consegui realizar aquilo que sempre quis: ter uma vida menos conturbada, com mais cultura, experiências reais e perspectivas humanas além do ritmo sufocante do mercado financeiro.
HISTORIA DO CHEMICAL BANK
O Chemical Bank nasceu em Nova York em 1824 como Chemical Manufacturing Company, e entrou no setor bancário em 1844. Ao longo do século XX, cresceu por meio de incorporações e tornou-se um dos maiores bancos comerciais dos Estados Unidos. Nos anos 1960 e 70, o banco já controlava bilhões de dólares em ativos e se internacionalizava. Em 1969, o Chemical entrou para a história ao instalar o primeiro caixa eletrônico (ATM) do mundo com atendimento automático ao público, em Rockville Centre, Nova York — um marco global.
Na década de 1980, o banco cresceu agressivamente. Em 1981, tinha cifras acima de US$ 80 bilhões em ativos, e passou a buscar expansão em mercados estratégicos, como o Brasil, onde o sistema bancário era fechado ao controle estrangeiro por causa do Artigo 192 da Constituição.
CHEGADA AO BRASIL: O NASCIMENTO DO NORCHEM (1975)
Para entrar no Brasil de forma legal e estratégica, o Chemical estruturou uma joint venture nacional. Assim surgiu o Banco NorChem, fundado em 1975 por Leo Wakace Cochrane e Peter Brenan. A estrutura societária foi montada de forma engenhosa para respeitar a legislação:
Chemical Bank (EUA) — 49,7%
Israel Klabin — 28,3%
Banco Noroeste / capital volante — 22%
Essa engenharia societária evitava o controle direto por estrangeiros (proibido então pela Constituição), permitindo ao Chemical Bank operar indiretamente no Brasil com influência relevante, mas sem o controle majoritário declarado.
Até os anos 1990, o Artigo 192 da Constituição brasileira impedia bancos estrangeiros de operarem diretamente no país, salvo por autorização específica do governo federal. Por isso, mesmo com 49,7% das ações, o Chemical usou o NorChem como ponte legal e estratégica para atuar no mercado nacional. A reforma das regras bancárias e abertura ao capital estrangeiro só começaram após o Plano Real, em meados dos anos 90.
DÉCADA DE 1980 — EXPANSÃO E RELACIONAMENTO INTERNACIONAL
Durante os anos 1980, o NorChem se consolidou como banco corporativo com forte elo com multinacionais, comércio exterior e grandes grupos nacionais, enquanto isso, o Chemical Bank global avançava com cifras expressivas:
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Cartões da época, CC e Débito do Banco Noroeste e Chemical Bank |
✅ Em 1985, já ultrapassava US$ 120 bilhões em ativos.
✅ Em 1987, entrou para o ranking das 10 maiores instituições dos EUA.
O banco também ganhou notoriedade com iniciativas inusitadas, como o Cee Bee I — um barco-hidrofolha bancário que atendia comunidades costeiras de Nova York nos anos 1980, oferecendo todos os serviços de agência, exceto cofres.
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O barco do Chemical que que atendia comunidades costeiras de Nova York |
ANOS 1990 — NOVOS COMANDOS E MUDANÇAS ESTRATÉGICAS
O Banco NorChem passou por reestruturações importantes nos anos 1990 com Patrick Morin Jr. assumiu como Chairman e Paulo Moraes na posição de CEO.
GEOSERVE
O Geoserve era a unidade de serviços corporativos e operacionais do antigo Chemical Bank (que mais tarde se fundiu com o Chase Manhattan e, subsequentemente, se tornou parte do JPMorgan Chase).
O Geoserve foi crucial para transformar o que era tradicionalmente o "back office" de um banco em uma unidade geradora de lucros.
Funções e Importância do Geoserve:
Natureza do Serviço: O Geoserve era uma unidade de serviços de informação e transação que atendia o mercado global.
Serviços Oferecidos: Incluía uma variedade de serviços operacionais para clientes corporativos, como:
-Gestão de Caixa (Cash Management): Gerenciamento e otimização do fluxo de caixa de grandes empresas.
-Transferência de Fundos (Funds Transfer).
-Custódia Corporativa (Corporate Trust).
-Processamento de Títulos e Valores Mobiliários (Securities Processing).
-Foco em Lucro: Sob a liderança do Chemical Bank, a unidade Geoserve foi estrategicamente transformada de um centro de custo para um centro de lucro significativo, gerando centenas de milhões de dólares em receitas através de serviços baseados em tarifas (fee-based services).
- Base Tecnológica: O Geoserve investia pesadamente em tecnologia para processar um grande volume de transações diárias (cerca de 1,8 milhão de transações/dia em meados dos anos 90), utilizando sua escala e expertise para fornecer serviços de forma eficiente.
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Visita ao Geoserve em Buenos Aires |
O Geoserve ganhou destaque após a fusão do Chemical Bank com o Manufacturers Hanover, em 1991, quando as operações dos dois bancos foram consolidadas sob esta marca. Após a fusão do Chemical com o Chase Manhattan em 1996 (que resultou no Chase Manhattan Bank), os negócios de serviços de informação e transação do Geoserve foram integrados na nova organização global de banco de atacado (atacado corporativo).
Em essência, o Geoserve representava os serviços de tesouraria corporativa e processamento de valores mobiliários do Chemical Bank, um pilar que se tornou um componente chave do que hoje é a vasta operação de serviços do JPMorgan Chase.
Nesse período, o banco reforçou sua atuação em crédito corporativo, câmbio e assessoria financeira para empresas brasileiras e multinacionais. Enquanto isso, o Chemical Bank internacional crescia em escala bilionária — e se aproximava de uma das maiores fusões da história financeira.
1995 — A MEGA FUSÃO CHEMICAL + CHASE
Em 28 de agosto de 1995, o Chemical Banking Corporation e o Chase Manhattan Corporation anunciaram a fusão por US$ 10 bilhões em ações. O novo grupo tornou-se o maior banco dos Estados Unidos, com mais de US$ 290 bilhões em ativos, operações em mais de 90 países, forte presença em bancos associados no exterior — como o NorChem no Brasil.
Pouco tempo depois, o nome "Chemical" desapareceu, e a marca consolidada tornou-se Chase Manhattan (hoje parte da JP Morgan Chase), e junto com o nome, meu cargo também desapareceu.
Todos nós tivemos que sentar ao lado do colega que tinha igual tarefa no outro banco e transferir todas as funções antes de ser demitido.
O processo de reestruturação Pós-Fusão tinha 2 pontos básicos:
1 - Busca por Sinergia de Custos (eliminando a redundância do seu cargo).
2 - Transferência de Conhecimento para o colega que permaneceria na nova estrutura, um efeito colateral muito comum e doloroso de grandes fusões bancárias.
No entanto, essa ruptura foi um alívio necessário. Percebi que o desejo de estudar Comércio Exterior na FGV era movido pela vontade de viajar e conhecer culturas, e não apenas de ver os escritórios de bancos internacionais.
Finalmente, sai do banco em fevereiro de 1996, decidi mudar minha carreira e fiz a transição para o setor de equipamentos para cozinha e bebidas. Nessa nova fase, consegui realmente atingir meu objetivo: ter uma vida menos agitada, com mais cultura e experiências reais, explorando cidades globais em vez de escritórios globais.