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Calendário Anual Tupi Contemporâneo |
Tudo começou com esta pergunta:
"Como seria o Brasil se a cultura dos Tupis tivesse sobressaido à dos Portugueses?"
Na virada do ano 2000, eu fazia ilustrações para a revista Superinteressante, mais precisamente para a seção "Superfantástico", na qual se perguntava "e se..." (eu ilustrei "e se pudéssemos nos teletranportar" (ed 175 de Maio de 2002) e "e se os gregos não tivessem existido"). E isso me fez perguntar: "E se a cultura tupi tivesse suplantado a cultura portuguesa?". Como seria o Brasil?
Com base nessa pergunta fiz a postágem de 2012
(saiba mais) que me fez criar uma nova corrente de pensamento, a Nova Tupi e uma artistica a Tupi Pop.
A partir dessa pergunta também, decidi fazer um Calendário Tupis Contemporâneo, tendo como base os povos Tupis da região central de São Paulo, do Inhapumbuçu de Tibiriça e João Ramalho e os Tupinambas que conviveram com Jean de Léry. Mas também pode ser útil para os Potiguaras de Felipe Camarão, bem como para todos os Tupis de outras partes do Brasil, onde a celebração da cultura ancestral missigenada do brasileiro comum é valorizada.
Talvez o dia mais importante deste calendário fosse o Dia de Mani e da mandioca, 22 de abril, porque utiliza nosso alimento mais significativo, a mandioca, como base para a celebração. Ou talvez o Dia do Mbaraka, a personificação do ser vivo com o espírito que ressoa na cabaça. O fato é que teriamos festas em várias datas do ano.
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Antes de prosseguirmos, dois Avisos Importantes são necessários:
Aviso Importante 1
Não temos a intenção de minimizar ou caricaturar nenhuma cultura. Pelo contrário: queremos celebrar a ancestralidade indígena que pulsa em grande parte do povo brasileiro. A maioria de nós carrega no sangue e na alma a herança de povos originários. Honrar essa raiz é reconhecer que somos, em essência, indígenas também — herdeiros de um Brasil que existia muito antes da colonização. Esta celebração é um convite à memória, à valorização e ao respeito profundo às culturas que moldaram o que somos. Que o espírito de alegria seja, sempre, acompanhado de consciência e reverência --- Somos todos indígenas.
Aviso Importante 2
O termo "tupiniquim" aparece com frequência na literatura francesa, aprendido com os Tupinambás, inimigos dos Tupis, (significa algo como o pequeno Tupi, ou falso Tupi, usado pelos primos Tupinambá para reduzi-los) e é evitado aqui, devido à sua conotação pejorativa e colonial.
Isso posto...
O Calendário da Tartaruga
Uma das teorias mais ouvidas entre nossas muitas etnias diz respeito ao fato de o ciclo anual de 364 dias estar gravado nas carapaças das tartaruga marinhas da família Cheloniidae, diz a lenda que Jerônimo de Albuquerque Maranhão, bravo guerreiro, responsável pela expulsão dos franceses, filho do nobre português Jerônimo de Albuquerque e da linda princesa indígena pernambucana Muyrã Ubi, filha do cacique Uirá Ubi, (Arco Verde, em português), da aldeia Tindara, batizada em língua portuguesa com o nome de Maria do Espírito Santo Arcoverde, ao chegar em Pé do Serrote fez erguer uma pequena fortaleza, com estacas de madeira para protegerem-se do terrível pirata francês Du Prat, no ano de 1614 de nosso Sr., na companhia dos Tremembé.
Como era profundo conhecedor do idioma Tupi, aproximou-se de uma jovem que brincava com uma tartaruga marinha e percebeu que ela constantemente repetia um verso:
“kwara'sï - Irundyk po xe pó mosapyr - quatro mãos com minha mão e mais três = 28 (vinte e oito sois), Îasy - Mokõî pó mosapyr – duas mãos e mais três = 13 (treze luas)”;
13 luas e 28 dias, o que seria isso?
Ao perguntar ao pai da garota, esse responde que em todas as carapaças de tartaruga esses números equivalem aos 364 dias que compõem o ano indígena.
Todos os povos indígenas conheciam a sabedoria da tartaruga e seguiram um calendário de 13 meses; afinal, existem 13 ciclos lunares num ano e 27 a 29 dias por ciclo.
Ao comparar com o calendário gregoriano, instituído em 1582, fez parecer que o homem branco tivesse subtraído um mês para cortar a conexão entre as pessoas com o sol e a lua."
O velho índio perguntou então a Jerônimo:
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O ano de 364 dias está representado na carapaça da tartaruga marinha
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O-î-kuab-ype nde r-a'yra îurukaûá asé r-ekomonhangaba?
Teu filho desconhece os mandamentos da tartaruga feito a nós?
Envergonhado, ele mente ao velho índio:
- Pá. O-î-kuab.
Sim, ele os conhece.
Ta nde ma'enduar Tupã asé r-ekomonhangaba r-esé.
Que ele se lembre dos mandamentos da tartaruga feito a nós.
Os Dias mais impotantes do Calendáriuo Tupi
Obviamente, este calendário não é seguido integralmente pela nossa sociedade; trata-se de um calendário "Novo Tupi", ou seja, o calendário de um Brasil alternativo, mais Tupi e menos Português. Vejamos as principais datas:
07 de Fevereiro – Dia de Sepé Tiaraju
No dia 2 de fevereiro, os povos do Brasil profundo celebram Sepé Tiaraju, líder guerreiro e espiritual do povo Guarani, morto em 1756 na luta contra o avanço colonial sobre as Missões Jesuíticas no Sul do país. Embora fosse Guarani, os Tupis e outros povos indígenas celebram suas vitórias como parte de uma luta comum: a defesa da terra, da vida e da liberdade nativa.
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Em uma São Paulo ficcional criada por mim, o centro antigo, região do triângulo histórico do Inhapuambuçu, tem estátuas em estilo Art Déco dos 12 indígenas célebres: Tibiriça, Cunhambebe, Caramuru, Felipe Camarão... e entre eles Sepe Taiaraju, aqui retratado em uma propaganda fictícia do Cauim Tiakau da década de 1960. |
Sepé não é apenas um personagem da história — é símbolo vivo de resistência, de comunhão com a terra e da dignidade indígena diante da invasão europeia. Foi ele quem disse, antes de cair, a frase que ecoa até hoje:
"Esta terra tem dono!"
(Co ivi oguerecó iara)
No Calendário Tupi Contemporâneo, o dia 2 de fevereiro é reconhecido como:
“Ara Reroky” — o dia em que a terra canta com seus defensores.
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Busto de Tibiriça e Potira no centro histórico de São Paulo. Numa São Paulo fictícia criada por mim, o centro antigo, região do triângulo histórico de Inhapuambuçu, possui estátuas em estilo Art Déco dos 12 ancestrais indigenas famosos.
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Mesmo entre os Tupis, que viveram em outras regiões do Brasil, Sepé é celebrado como um parente espiritual. Sua causa era a mesma: preservar a terra dos antigos, as florestas, os rios, o alimento sagrado, e os modos de vida que respeitam o espírito de tudo o que vive.
15 de Março – Guerra do Caju – Datas Móveis
Lembrança das antigas guerras rituais entre os Tupis, marcadas pela temporada do caju. Hoje, uma data simbólica de disputa saudável, celebração e respeito às diferenças.
Entre os tupis, o tempo não era preso a números, mas aos sinais da natureza. Assim, quando os cajueiros frutificavam em fartura, era tempo de festa – e também de disputa.
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Todos os anos, nos meses de agosto a janeiro, os Aimorés, Tremembés e Goitacás e outros indígenas da etnia Jê, invadiam as terras litorâneas, de onde foram expulsos no passado, para entrar em conflito com os Caetes, Tupinaba e outras etnias do tronco Tupi-Guarani - motivo ? - O Caju! - ilustração de Luiz Pagano para a enciclopédia virtual Indigenas em Toy Art (saiba mais)
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Entre os tupis, a beligerância era parte integrante da cultura – cercada de muita selvageria, ritualização e antropofagia. Isso pode soar bárbaro aos olhos de hoje, e de fato seria inaceitável sob os parâmetros éticos contemporâneos. Mas para os povos originários, a guerra era um eixo simbólico da vida, uma forma de relação com o outro, com o cosmo e com a natureza.
Hoje, a memória desses ritos pode – e deve – ser ressignificada, transformando-se em jogos simbólicos, disputas entre “cariocas” (descendentes dos Tupinambás) e “paulistas” (mais próximos dos antigos Tupis).

Podemos imaginar tais embates como olimpíadas culturais, marcadas pelo respeito às diferenças e pela celebração de nossas raízes comuns.
As chamadas “Guerras do Caju” são emblemáticas. Aconteciam entre os meses de agosto e janeiro, quando o fruto fermentava ainda na árvore – presente dos deuses, segundo os mitos. Sem necessidade de preparo ritual como o cauim, o caju se tornava símbolo de fartura e, paradoxalmente, de conflito.
Essas guerras eram planejadas com antecedência, envolvendo assembleias de guerreiros adultos, preparo de farinha, construção de canoas e consultas ao pajé. As mulheres desempenhavam papel vital na logística e apoio emocional dos guerreiros. Em campo, os “roncadores” tocavam a inúbia – oboé ancestral – para instigar o espírito bélico.
Thevet descreve a cena com riqueza:
“Seguem as esposas a seus maridos na guerra [...] para carregar os alimentos, cuidar deles e transportar outras munições. Partem para longas guerras, lançando fogo às suas palhoças e ocultando na terra os bens mais preciosos.”
A guerra era vista como um ciclo de renovação, de reafirmação da identidade e da valentia. Hans Staden fala de cercos que duravam semanas. Anchieta menciona expedições com até 48 canoas e 500 guerreiros.
Já a “Guerra da Pesca”, especialmente na época da piracema, repetia esse ciclo de forma aquática. Aldeias invadiam simbolicamente os rios dos vizinhos para capturar peixes – sobretudo a tainha – como parte de rituais que terminavam em banquetes e trocas culturais.
Diputas de "Guerra do Cajú" Nos dias de Hoje
Mesmo reconhecendo que a beligerância era uma parte integrante da cultura tupi ancestral, é evidente que nos dias de hoje as práticas ancestrais seriam inaceitáveis. --- No entanto, a memória desse período pode ser ressignificada por meio de celebrações simbólicas de paz, harmonia e boa vizinhança.
A ideia de uma disputa simbólica entre paulistas (tupis) e cariocas (tupinambás) pode se manifestar como uma olimpíada indígena moderna, com jogos como cabo de guerra, corridas com os pés amarrados e provas de resistência inspiradas nos costumes antigos, nas quais a celebração é mais importante do que a competição em si.
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Ao final, uma grande festa no espírito do carnaval, encerraria a celebração, com fantasias, danças ao som de maracás e muita fartura — com pratos à base de peixe, caju e cauim servido em grandes cuias compartilhadas. |
22 de Abril – Dia de Mani e da Mandioca
Data para honrar a lenda da deusa Mani, que ao morrer deu origem à mandioca — alimento sagrado para os povos originários.
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Deusa Mani e a Capivara - Quadro com moldura de Pau-Brasil
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Mani, a deusa albina dos tupis, morreu ainda menina, mas de seu corpo enterrado na oca, brotou a mandioca, alimento sagrado de toda a América do Sul.
Existem várias historias sobre a lenda de Mani, a que mais gosto diz que Mani era uma jovem indígena albina, de beleza sobrenatural e sabedoria que transcendia sua idade. Tão perfeita, que despertava admiração — e também inveja.
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Luto pela morte da Deusa Mani - as lágrimas de sua mãe regaram a santidade de seu espírito e fizeram nascer a primeira planta de mandioca. |
Foi injustamente acusada, e morta. Sua mãe, devastada, a enterrou dentro da oca (como é costume dos Tupis) e chorou dias inteiros sobre o túmulo. De suas lágrimas de amor nasceu o primeiro pé de mandioca, a planta sagrada que alimenta os povos originários até hoje.
Resolvi ilustrar Mani como símbolo da vida que renasce da dor, do alimento que brota da espiritualidade. Na imagem, ela carrega uma capivara, guardiã silenciosa dos rios urbanos, já que o calendário é para os dias atuais.
A capivara é a força da natureza que nos visita em meio ao caos das cidades (vide
"Capivara Parade" ) para nos lembrar que podemos ter sustentabilidade nos centros urbanos, como embaixadoras da natureza nas grandes cidades, pois, ao se ver elas chegando para nadar nos poluídos rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, ou na poluída Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, nos mostram que nos comportamos mal.
Ela é a personificação do Brasil não contaminado. A resposta feminina e ancestral à brutalidade do mundo moderno.
Canto a Mani – A Força Sagrada do Cauim
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Pergaminho do Canto à Deusa Mani - Em uma adaptação completa aos dias atuais (já que os antigos povos indígenas nem sequer escreviam, confiando apenas na tradição oral para transmitir seus conhecimentos), o pergaminho é pendurado nas paredes como uma lembrança. |
A bebida fermentada de mandioca dos tupis ganhou um canto/oração/poema especial do amigo e estudioso do tupi antigo, Ariel, tal como segue:
Mani omanõ yby resé toîkó
oré 'anga rembi'urãmamo.
Mandi'oka asé reté oîopóî;
kaûĩ asé 'anga oîopóî.
"Mani morreu da vida terrena para virar alimento espiritual do nosso povo."
"A mandioca alimenta o corpo e o cauim alimenta o espírito."
Inspirado no paralelismo e rituais budistas como o sambo (altar de oferendas), adotado aqui no Brasil por meio da transplantação religiosa, decidi criar um rito adaptado ao contexto urbano atual brasileiro (veja mais adiante).
Desde que comecei a desenvolver o Cauim Tiakau,
(saiba mais) esse projeto de trazer para os dias atuais o cauim que era feito no Inhapuambuçu, região central de São Paulo, a partir do antigo triângulo geomântico no meio dos rios Anhangabaú e Tamanduateí, esse universo tem estado tão ricamente presente em minha mente que até passei a culturar a Deusa Mani.
A exemplo de uso, a frase "Aîinhetamong Mani Rese" pode ser traduzida como "Façamos uma oferenda para a Grande Mani".
Todos esses ritos, ainda que contemporâneo, buscam respeitar a essência ancestral da prática, criando pontes entre o passado e o presente, entre o sagrado indígena e a vida urbana moderna — sem descaracterizar sua força espiritual.
E assim, aos poucos, rituais de celebração e respeito aos ancestrais vão surgindo, ou ressurgindo, nessa nova cultura que renasce. Não como uma cópia do passado, mas como um tributo vivo, sensível e consciente àquilo que nunca deixou de existir.
17 de Julho – Dia do Anhangá
Aqui em São Paulo podemos celebrar o protetor das matas, o Anhangá, entidade que vela pelos animais, pela floresta e pelo equilíbrio da natureza no Vale do Anhangabaú.
Anhangá não é um demônio, como a catequese tentou nos convencer. É uma entidade ancestral, implacável sim, más também um espírito guardião dos animais, um senhor dos encantos da mata.
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Anhangá, Capivara e Tamanduá no tringulo menor do Inhapuambuçu, dentro do grande tringulo do Pico do Jaraguá, arte de Luiz Pagano |
Ainda é uma festa para bem poucos (eu e alguns amigos, rsrs) já que Cauim ainda é muito escasso e poucos conhecem a lenda do Anhangá, mas estamos crescendo.
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Toy Anhangá - planta crescendo entre as rachaduras do cimento, vida que surge em meio à urbanização desordenada. |
Como vocês devem saber, no local onde hoje está localizado o Páteo do Collégio, próximo ao povoado de Tibiriçá, existia uma montanha sagrada que deu nome à vila, Inhapuambuçu (do tupi antigo i(nh)apu'ãm-busú o grande cume ou y (nh)apu'ãm-busú a grande ponta do rio), mas com a chegada das Ordens Beneditinas, Carmelitas e Franciscanas, as tradições ancestrais dos Tupis desapareceram.
O triângulo menor formado pelo morro Inhapuambuçu na confluência dos rios Anhangabaú e Tamanduateí, estava dentro do triângulo maior na confluência dos rios Pinheiros e Tietê com vista para os guardiões do vale, o Pico do Jaraguá.
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Imagem fictícia da celebração do Dia de Anhangá no Vale do Anhangabaú. Eu já omemoro esta data há muito tempo, convidando os amigos para beberem Cauim Tiakau cauim no Pátio do Colégio. Quem sabe algum dia esta festa não se torna uma celebração de verdade? |
O Anhangá é comumente retratado como um veado campeiro branco, de tamanho atroz, com olhos vermelhos da cor do fogo. Ele é o protetor da natureza e persegue todos aqueles que caçam indiscriminadamente, desrespeita a natureza e pune aqueles que caçam filhotes ou mães que estão criando seus filhotes e poluindo suas águas (Anahngá anda tendo muito rabalho por aqui...).
O vale do Rio Anhangabaú ainda é um lugar sagrado, os antigos habitantes de Piratininga realizavam cerimônias religiosas e festivais para tornar o deus menos vingativo. Hoje, não apenas afogamos o Rio Anhangá (o canalizamos), como também esquecemos o espírito principal da nossa cidade. Desconsiderar nossas tradições tupis dessa forma é um pecado imperdoável e merece o castigo implacável deste deus temido pelos tupis e colonizadores.
03 de Agosto – Festival da Lua Cheia
Festa da Oitava Lua
(Yacy e Guaracy — O Encontro das Luzes)
A Festa da Oitava Lua é uma celebração Tupi com data móvel, marcada pela primeira lua cheia de agosto — considerada a oitava lua do ciclo anual.
Ela celebra o reencontro simbólico entre Iaci (a lua) e Guaraci (o sol), irmãos divinos que, segundo a lenda, se amavam mas só podiam se ver brevemente no entardecer.
Nesse dia, o cauim é compartilhado sob a luz da lua cheia, acompanhado de cantos, danças e oferendas simples com mandioca, mel e flores, em agradecimento à natureza e aos ciclos da vida.
É um momento de renovação, união e luz — quando o céu reflete o equilíbrio entre o dia e a noite, o sonho e a vigília.
12 de Outubro – Dia do Cauim Contemporâneo
No mesmo dia em que o Brasil celebra Nossa Senhora Aparecida, padroeira do país, também se celebra — neste calendário que nasce do coração e da mandioca — o Dia do Cauim Contemporâneo, a bebida sagrada dos povos Tupi.
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Nas fotos - Casa de hóspedes Pernod Ricard em Resende, próximo ao Santuário de Aparecida, em 12 de outubro de 2015 - A primeira fermentação, bebendo em cuia no Projeto Tembiu, e meu etúdio de pintura adaptado para funcionar como um laboratório de fermentação o qual dava o nome de 'Blemya'. |
Neste dia, recorda-se o momento em que, em 12 de outubro de 2015, em Resende, Rio de Janeiro, os primeiros sinais da fermentação perfeita, após quebra de amido com koji cedida por Hikaru e orientado por colegas da Pernod Ricard, apareceram em um mini dispositivo de fermentação.
Mas, como ensinam os anciãos indígenas:
“Aquilo que acontece na terra, já aconteceu antes no plano espiritual.”
Essa fermentação não começou naquele dispositivo improvisado — começou no sonho. No desejo de resgatar o cauim como bebida viva, como ponte entre mundos, como elo entre passado e futuro.
O Milagre da Fermentação
Para realizar minhas experiências iniciais com fermentações, desenvolvi dois dispositivos a partir de cafeteiras térmicas. O primeiro funcionava como um sistema de aquecimento e resfriamento (chiller), usando a circulação de água quente ou gelada, e conta com um termômetro digital para monitorar a temperatura. Com ele, conseguia controlar as variações térmicas necessárias para que o koji atuasse na mandioca.
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Aqui coloco juntos os dispositivos portáteis para experimentos com fermentação de mandioca: 1- "chiller": um refriador ativado por uma bomba de aquário que faz circular água previamente aquecida ou resfriada, colocada em 2- caldeira sob a câmara térmica por meio de serpentinas. Ao lado, um pequeno 3- tanque de fermentação com torneira baixa e tampa com "air-lock". Abaixo da imágem vemos um refratômetro - apesar de serem comuns na indústria de vinhos e cervejas para monitorar o processo fermentativo, os refratômetros ainda são pouco usados por produtores caseiros, no entanot, são essenciais para a produção do cauim. Sem ele, não poderíamos saber se a mandioca atingiu o dulçor suficiente para que a fermentação alcoólica ocorra (acima de 20 brix). |
O segundo dispositivo era uma cuba de fermentação com airlock, que permitia fermentar de forma segura e controlada.
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Foto tirada durante o processo de aquecimento das pérolas de mandioca inoculadas com koji, com exceção dessas cubas, sempre procurei utilizar ao máximo peças indígenas, como esta ugassaba Waurá. |
A grande vantagem desses dispositivos é que são compactos e cabem no porta-malas do carro, o que me permite fazer experimentos em qualquer lugar. Com eles, consigo tanto promover a quebra do amido da mandioca quanto realizar a fermentação.
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Após o sucesso alcançado em Rezende com a quebra do amido, transformação do açúcar e consequente fermentação da mandioca, continuei os experimentos no meu etúdio/laboratório chamado Blemya, a seguir vemos um pequeno altar — o Ietamemuã, uma estrutura simbólica para os maracás —, um Tembi Tarara, painel que descreve as oito fases do cauim em tupi antigo, e um Tykueryru, peça inspirada na tradição japonesa do sugidama (bola de cedro), usada para avisar à comunidade sobre a produção do cauim e minhas anotações no livro com arte Yekwana na capa. |
Arte, Espiritualidade e Ciência
Além de um trabalho de pesquisa científica sobre fermentação, meu estudo sobre o cauim em 2015 envolvia dois aspectos fundamentais: a arte como instrumento de aculturação e o respeito às tradições e espiritualidade dos povos indígenas.
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Área de pesquisas e experimentos do laboratório/estúdio/templo - Blemya - O cauim é a manifestação mais pura do Movimento Nova Tupi e da arte Tupi Pop, expressões desenvolvidas como forma de reconectar a ancestralidade e a contemporaneidade de um Brasil alternativo que não vivemos (ainda). Mais do que uma bebida ritual, o cauim, no meu processo criativo, se torna o principal elemento de aculturação, um símbolo vivo — uma fusão entre ciência, arte e espiritualidade indígena, que resgata e cultiva conhecimentos ancestrais da cultura braasileira. |
Nesse processo, desenvolvi uma instalação artística com orientação de membros da comunidade indígena, composta por um pequeno altar — o Ietamemuã, uma estrutura simbólica para os maracás —, um Tembi Tarara, painel que descreve as oito fases do cauim em tupi antigo, e um Tykueryru, peça inspirada na tradição japonesa do sugidama (bola de cedro), usada para avisar à comunidade sobre a produção do cauim.
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Primeiras inoculações de pérolas de mandioca com koji kin. Como usei koji de saquê nos primeiros experimentos, tive que separar os grãos de arroz dos esporos de Aspergylus e ajustar a temperatura e a umidade em cada experimento por tentativa e erro ate obter bons resultados. |
Além disso, realizei intervenções artísticas nas peças de laboratório, integrando pintura, rituais e experimentação, como forma de dar corpo a uma prática viva, que une ciência, arte e ancestralidade.
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Nas fotos - Paulo Wassu-Cocal abençoando o projeto Cauim Tiakau, brindando com o Cacique Juarez Saw Munduruku o lançamento do filme Amazônia Sociedade Anônima, sendo recepcionado pelos espíritos da floresta e drink com guaraná ralado na língua de pirarucu. |
O processo contou com o olhar técnico e fraterno de profissionais incríveis, e, em especial, com a contribuição decisiva de Hikaru Sakunaga, que trouxe consigo a chave da quebra amilítica, fundamental para transformar o amido da mandioca em açúcar fermentável.
A ela, aos funcionários da fábrica de Resende, indigenas das etnias Wassu-Cocal, Potiguara, Guarani Mbya, Guajajara, Mundurukus e a todos os que se somaram nesse caminho — meus mais profundos agradecimentos.
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Uma das primeras fermentações obtidas |
Também agradeço aos aliados do plano espiritual indígena, que guiam este projeto com firmeza silenciosa. São espíritos ancestrais, encantados das florestas, guardiões da mandioca, da saliva ritual, do fogo cerimonial e da festa comunitária.
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Depois de 2018, a cada fermentação que fizemos, aperfeiçoamos o processo, tanto o método enzimático (desenvolvido por Hildo Sena), quanto o método japonês (desenvolvido por Luiz Pagano). |
O cauim não é só uma bebida — é memória líquida, é vínculo social - é alimento da alma.
Que se faça Tradição
Que 12 de outubro seja reconhecido, no calendário da Nova Tupi, como o Dia do Cauim Tiakau — dia de celebrar o renascimento da bebida sagrada, feita 100% de mandioca, símbolo da fartura, da resistência e da brasilidade indígena.
Neste dia, que se abram potes de barro, que se acendam fogueiras, que se compartilhem histórias e goles.
01 de Novembro – Dia de Tupã a Força que Destrói para Renovar
Se Mani representa o aspecto feminino da natureza — aquele que dá vida, nutre e transforma com suavidade — Tupã é sua contraparte masculina: a força avassaladora do trovão, que destrói para abrir espaço ao novo.
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Pai Tupã - A força masculina do trovão, que destrói para abrir espaço ao novo, erronemanete associado a Deus da tradição Judaico Cristã. |
Nos antigos saberes tupi, Tupã não era “Deus” no sentido ocidental monoteísta, mas sim uma entidade sagrada, o mensageiro de Nhanderuvuçu — uma entre muitas que regem as forças da natureza e do espírito. No sincretismo colonial, no entanto, ele foi erroneamente identificado como o "Deus supremo" dos indígenas, muito por conta da necessidade dos missionários de enquadrar os sistemas de crença ameríndios dentro de uma teologia cristã. Assim, Tupã acabou sendo tratado como equivalente ao Deus único europeu — o que distorce profundamente o pensamento tupi, que é mais próximo do budismo ou do xintoísmo: plural, cósmico, ritualístico, centrado em relações com múltiplas entidades espirituais.
No Japão, seres compassivos e iluminados são chamados de Bosatsu (菩薩), aqueles que escolhem ajudar os outros antes de atingir o nirvana. A noção tupi mais próxima desse conceito pode ser chamada de Tupinheñang, termo que poderíamos cunhar para designar os espíritos que vivem para harmonizar, ensinar e cuidar do mundo — como Mani e os grandes anciões das aldeias espirituais.
Na sua cosmologia pessoal, o 1º de novembro é o dia de Tupã, marcado pela transição entre o fim dos ciclos e o nascimento do novo. O primeiro dia de novembro foi dado a Tupã pelos jesuítas, dia de todos os santos, para que os indígenas, agora catequizados, pudessem celebrar aquele que se sincretizaria com Deus Pai Todo-Poderoso, não é por acaso que essa data ecoa tradições antigas que celebram os mortos, os espíritos e as mudanças de estação.
Se os tupinambás marcavam em 12 de dezembro o auge da luz (quando o dia começa a ser maior que a noite), então 1º de novembro está exatamente no período de renovação e preparação, o momento onde a destruição — provocada por tempestades, ventos e trovões — purifica a terra para que ela volte a florescer.
Assim como Mani é semente e broto, Tupã é raio e cinza fértil.
02 de Novembro - Dia do Saci
Mais maduros seríamos… se o Finados fosse do Saci.
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Infelizmente não temos maturidade cultural para comemorar o dia do Saci, preferimos importar o Halloween - pintura de Luiz Pagano, Saci e Cuca em meio a muirakitãns coloridos. |
Em vez de importarmos o Halloween, com suas abóboras sorridentes e monstros de plástico, talvez fôssemos uma nação mais madura espiritualmente e culturalmente se celebrássemos, no feriado de Finados (2 de novembro), o nosso Dia do Saci.
Afinal, quem melhor que o Saci para mediar a passagem entre o mundo dos vivos e o dos encantados?
O Saci — travesso, sábio, invisível — é o espírito que ri da morte e sopra sabedoria por entre as brasas do fogão e os redemoinhos do mato.
O Exemplo dos Nossos Irmãos Mexicas
No México, o Día de los Muertos é uma celebração de reconexão com os ancestrais. Não é um culto ao medo, mas sim à memória viva. É uma tradição com raízes profundas no tzompantli, o altar cerimonial dos povos maia e mexica, onde se honravam os crânios dos que partiram — não por morbidez, mas por reverência à continuidade da vida.
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Infelizmente, aqui no Brasil, preferimos comemorar o Halloween no Dia de Finados, mas no México eles parecem ser mais maduros em festejar suas próprias tradições, o "Dia de los Muertos" tem a sua própria festa. Eu adoraria ver o Brasil fazer o mesmo, até mesmo com o Dia do Saci. - Foto: Abel Gutierrez |
Enquanto o Halloween exporta sustos e consumo, o Día de los Muertos oferece flores, comida, música, caveiras sorridentes e afeto familiar. Uma festa da ancestralidade.
Na cosmologia afro-brasileira e indígena, figuras como o Saci, o Curupira e a Cuca não são monstros — são entidades da floresta, do tempo e do saber. Celebrá-los no Finados seria aceitar que a morte não é o fim, e que o encantamento é parte da vida.
O Saci é aquele que some com seus pertences, mas também devolve sua conexão com o invisível. Ele é a lembrança de que o Brasil tem mitologia própria, humor próprio, espiritualidade própria.
Imagine um 2 de novembro em que montamos altares com redemoinhos de pano, colocamos pipocas, fumo e milho torrado para os sacis e contamos histórias em volta do fogo.
Não para ter medo, mas para celebrar os que nos precederam, rir de nossos próprios mistérios e reconhecer os encantados que ainda caminham conosco.
Mais do que copiar, o Brasil pode reinterpretar. - Mais do que consumir, podemos comemorar com raiz.
12 de Dezembro — Dia em que o Sol Vence as Trevas
Meu tio-avô dizia que os Tupis também observavam com atenção os ciclos solares, mencionava que, em 12 de dezembro, dia do aniversário de algum parente meu do passado, o Sol amanhecia mais cedo do que nos outros dias se punha mais tarde, ou seja, havia mais luz do que escuridão.
Esse dado é fascinante, pois coincide de forma próxima com o solstício de verão no hemisfério sul, que ocorre por volta de 21 de dezembro. Isso mostra uma percepção refinada dos ciclos astronômicos por parte dos Tupis.
Léry descreve o maracá (ou maraca) como um instrumento ritualístico central na religiosidade dos Tupinambás. Ele era feito de uma cabaça seca com sementes dentro, preso a um cabo — e não era apenas musical: era considerado vivo e sagrado.“Ils appellent ce petit instrument leur dieu”. (“Eles chamam este pequeno instrumento de seu deus”)
— Jean de Léry, Capítulo XV.
Acabaça representa o corpo físico e os grãos a alama - a vida é representada pelo barulho que eles fazem quando o maracá está em agitação.
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Quando os tupis chegavam à casa de um musaka, chefe de família ou homem importante na aldeia, eles fincavam o seu mbaraka no chão e ofereciam comida e bebida para passar a noite. |
Desde 2015, mantenho um rito pessoal e sagrado dentro de casa, mesmo morando em apartamento, encontrei um modo de fincar o maracá — não na terra ancestral, mas em uma base de madeira com terra viva dentro, símbolo do elo com o chão original.
Chamo essa peça de Ietamemuã, que une duas ideias em tupi antigo:
Ietamongaba – oferenda e Karamemuã – caixa, receptáculo sagrado.
Nele coloco o meu maracá pintado por mim e coroado de penas urbanas e de papagaio, um pouco de cauim contemporâneo, pérolas de mandioca (sagú), mandioca ou milho plantados, como símbolos da vida que brota da terra e às vezes acendo uma vela para representar a luz do solstício.
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Meu mbaraka, colocado num ietamemunhã, com oferta de cauim num quaich escocês, um vaso com mudas de milho "avati" ou mandioca, a acendo uma vela para celebrar o dia de luz. |
Diante dele, falo:
xe py'atytyka îabi'õ
nde rausub agûama ri a'ar
'ara xe rekobesaba îabi'õ
nde ri xe morerekûar agûama ri
Endé ka’aeté rerekokatúrememo
Ka’aeté abé nde rerekokatúmo
Tradução
xe py'atytyka îabi'õ - a cada batida do meu coração.
Nde rausub agûama ri - para amar você
a'ar - eu nasci.
'ara xe rekobesaba îabi'õ - a cada dia (que é) a hora do meu viver = a cada dia da minha vida.
nde ri xe morerekûar agûama ri - para você ser meu guardião ( morerekoara = o que cuida de, guardião; adjetivo morerekoar (xe) ser cuidado por.
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Eu nasci para te amar a cada batida do meu coração.
Eu nasci para você cuidar de mim a cada dia da minha vida.
quando você cuida da floresta, a floresta também cuida de você.
Apendice - As Constelações Tupi
Parte integrante do calendário é a observação do céu e suas estrelas, os indigenas brasileiros davam muita importância às constelações localizadas na Via Láctea, que podiam ser constituídas de estrelas individuais e de nebulosas, principalmente as escuras. A Via Láctea é chamada de Caminho da Anta (Tapi’i rapé, em guarani) pela maioria das etnias dos indigenas brasileiros, devido principalmente às constelações representando uma Anta (Tapi’i, em guarani) que nela se localizam.
A Constelação da Ema
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A Constelação da Ema - YANDUTIN |
Em relação à constelação da Ema, d’Abbeville relatou: “Os Tupinambá conhecem uma constelação denominada Iandutim, ou Avestruz Branca, formada de estrelas muito grandes e brilhantes, algumas das quais
representam um bico. Dizem os maranhenses que ela procura devorar duas outras estrelas que lhes estão juntas e às quais denominam uirá-upiá”. Ele chamou de Avestruz Branca a constelação da Ema, no entanto, a avestruz (Struthio Camelus Australis) não é uma ave brasileira. A ema parece com a avestruz, mas é menor e de família diferente.
Na segunda quinzena de junho, quando a Ema (Guirá Nhandu, em guarani) surge totalmente ao anoitecer, no lado leste, indica o início do inverno para os indigenas do sul do Brasil e o início da estação seca para os indigenas do norte do Brasil.
A constelação da Ema fica na região do céu limitada pelas constelações ocidentais Crux e Scorpius. Ela é formada utilizando, também, estrelas das constelações Musca, Centaurus, Triangulum Australe, Ara, Telescopium, Lupus e Circinus.
A cabeça da Ema é formada pelas estrelas que envolvem o Saco de Carvão, uma nebulosa escura que fica perto da estrela α Crucis (Acrux). O bico da Ema é formado pelas estrelas α Muscae e β Muscae. A Ema tenta devorar dois ovos de pássaro (Guirá-Rupiá, em guarani) que ficam perto de seu bico. Os ovos são as estrelas δ Muscae e γ Muscae.
As estrelas α Centauri (Rigel Kentaurus) e β Centauri estão dentro do pescoço da Ema. Elas representam dois ovos que a Ema acabou de engolir.
A parte de baixo do corpo da Ema começa a ser formada pela estrela β Trianguli Australis, passando pelas estrelas η Arae, ζ Arae e ε1 Arae e pelas estrelas ζ Scorpii, µ1 Scorpii, ε Scorpii, τ Scorpii, α Scorpii (Antares) e σ Scorpii, terminando em δ Scorpii.
Uma das pernas da Ema é formada pelas estrelas da cauda de Scorpius, começando na estrela δ Scorpii e termina nos dedos do pé representados pelas estrelas υ Scorpii (Lesath), λ Scorpii (Shaula) e SAO 209318. A outra perna começa na estrela ε1 Arae, passa pela estrela α Arae e termina nos dedos do pé formado pelas estrelas α Telescopii, ε Telescopii e ζ Telescopii.
A cauda da Ema é formada pelas estrelas δ Scorpii, β1 Scorpii (Graffias), ω1 Scorpii, ω2 Scorpii e ν Scorpii, todas da garra de Scorpius.
A parte de cima do corpo da Ema, é formada pelas estrelas δ Scorpii, π Scorpii e ρ Scorpii também da garra de Scorpius, seguida pelas estrelas χ Lupi, γ Lupi, ε Lupi, κ Lupi e ζ Lupi, terminando na estrela β Circini, onde começa o seu pescoço.
Dentro do corpo da Ema, as manchas claras e escuras da Via Láctea ajudam a visualizar a plumagem da Ema.
A constelação Scorpius, excluindo suas garras e as estrelas que estão acima de Antares, representa uma Cobra (Mboi, em Guarani) para os íindigenas brasileiros, sendo Antares a sua cabeça. De fato, é muito mais fácil imaginar uma cobra que um escorpião nessa região do céu.
Ao Sul do Trópico de Capricórnio, a constelação ocidental Scorpius é conhecida como de inverno e perto da Linha do Equador como de seca, tendo em vista que ela pode ser observada, ao anoitecer, nessas estações.
Essa constelação, sem as garras, representa um cobra para os indigenas brasileiros.
A Constelação do Homem Velho
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A Constelação do Homem Velho - TUYAVAÉ |
Em relação à constelação do Homem Velho, d’Abbeville relatou: “Tuivaé, Homem Velho, é como chamam outra constelação formada de muitas estrelas, semelhante a um homem velho pegando um bastão”.
Na segunda quinzena de dezembro, quando o Homem Velho (Tuya, em guarani) surge totalmente ao anoitecer, no lado Leste, indica o início do verão para os indigenas do sul do Brasil e o início da estação chuvosa para os indigenas do norte do Brasil.
A constelação do Homem Velho é formada pelas constelações ocidentais Taurus e Orion.
Conta o mito que essa constelação representa um homem cuja esposa estava interessada no seu irmão. Para ficar com o cunhado, a esposa matou o marido, cortando-lhe a perna. Os deuses ficaram com pena do marido e o transformaram em uma constelação.
A constelação do Homem Velho contém três outras constelações indígenas, cujos nomes em guarani são: Eixu (as Pleiades), Tapi’i rainhykã (as Hyades, incluindo Aldebaran) e Joykexo (O Cinturão de Orion).
Eixu significa ninho de abelhas. Essa constelação marca o início de ano, quando surge pela primeira vez no lado oeste, antes do nascer do Sol (nascer helíaco das Plêiades), na primeira quinzena de junho. Segundo d’Abbeville, os Tupinambá conheciam muito bem o aglomerado estelar das Plêiades e o denominavam Eixu (Vespeiro). Quando elas apareciam afirmavam que as chuvas iam chegar, como chegavam, efetivamente, poucos dias depois. Como a constelação Eixu aparecia alguns dias antes das chuvas e desaparecia no fim para tornar a reaparecer em igual época, eles reconheciam perfeitamente o intervalo de tempo decorrido de um ano a outro.
Tapi’i rainhykã significa a queixada da anta e anunciava que as chuvas estavam chegando, para os Tupinambá. Joykexo representa uma linda mulher, símbolo da fertilidade, servindo como orientação geográfica, pois essa constelação nasce no ponto cardeal leste e se põe no ponto cardeal oeste Joykexo também representa o caminho dos mortos.
A cabeça do Homem Velho é formada pelas estrelas do aglomerado estelar Hyades em cuja direção se encontra α Tauri (Aldebaran), a estrela mais brilhante da constelação Taurus.
Acima da cabeça do Homem Velho fica o aglomerado estelar das Plêiades que representa um penacho que ele tem amarrado à sua cabeça.
O pescoço do Homem Velho começa em Aldebaran e termina na estrela ο2 Orionis, de onde partem seus braços.
Um de seus braços termina em ζ Tauri. O outro braço termina em π6 Orionis, passando por todo o escudo de Orion.
A linha reta que vai de π5 Orionis até β Orionis (Rigel), representa um bastão que o Homem Velho utiliza para se equilibrar.
A estrela γ Orionis (Bellatrix) fica na virilha do Homem Velho, sendo que a estrela vermelha α Orionis (Beltegeuse) representa o lugar em que sua perna foi cortada. O Cinturão de Órion (Três Marias) formado pelas estrelas δ Orionis (Mintaka), ε Orionis (Alnilam) e ζ Orionis (Alnitak) representa o joelho da perna sadia. A estrela κ Orionis (Saiph) representa o pé da perna sadia.
Ao Sul do Trópico de Capricórnio, a constelação ocidental Orion é conhecida como constelação de verão e perto da Linha do Equador como de chuva, tendo em vista que ela pode ser observada, ao anoitecer, nessas estações.
Constelação da Anta do Norte
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Constelação da Anta do Norte - TAPI'I |
A constelação da Anta do Norte é conhecida principalmente pelas etnias brasileiras que habitam na região norte do Brasil, tendo em vista que para as etnias da região sul ela fica muito próxima da linha do horizonte. Ela fica totalmente na Via Láctea, que participa muito nas definições de seu contorno, fornecendo uma imagem impressionante dessa constelação.
Existem outras constelações representando uma Anta (Tapi’i, em guarani) na Via Láctea, por isso chamamos essa constelação de Anta do Norte.
Segundo Afonso (2006), os indígenas brasileiros, dão maior importância, àquelas constelações quehabitam a Via Láctea, ou Tapi’i’rapé, a Via Láctea é chamada de Caminho da Anta devido, principalmente, à constelação da Anta do Norte.
Na segunda quinzena de setembro, a Anta do Norte surge ao anoitecer, no lado Leste, indica uma estação de transição entre o frio e calor para os indigenas do sul do Brasil e entre a seca e a chuva para os indigenas do norte do Brasil.
A constelação da Anta do Norte fica na região do céu limitada pelas constelações ocidentais Cygnus (Cisne) e Cassiopeia (Cassiopéia). Ela é
formada utilizando, também, estrelas da constelação Lacerta (Lagarta), Cepheus (Cefeu) e Andromeda (Andrômeda).
A estrela α Cygni (Deneb) representa o focinho da Anta do Norte, sendo que 55 Cygni, ξ Cygni e 59 Cygni representam sua boca. O restante da cabeça é formado pelas estrelas 74 Cygni, σ Cygni, ν Cygni, 56 Cygni, 63 Cygni e π2 Cygni.
As estrelas τ Cygni e 72 Cygni representam as orelhas da Anta do Norte.
A parte de cima do pescoço começa em SAO 51904 (2 Lacertae) e a parte de baixo em ζ Cephei.
A parte de baixo do corpo da Anta do Norte começa a ser formada pela estrela ζ Cephei, passando pelas estrelas β Cassiopeiae (Caph) e α Cassiopeiae (Schedar), terminando em ζ Cassiopeiae.
As duas pernas da frente começam em ζ Cephei, sendo que uma delas termina em α Cephei (Alderamin) e a outra termina ι Cephei. As duas pernas de trás começam em β Cassiopeiae (Caph), sendo que uma delas termina em κ Cassiopeiae e a outra em δ Cassiopeiae (Ruchbah).
A cauda da Anta do Norte é representada pelas estrelas ζ Cassiopeiae e µ Cassiopeiae.
A parte de cima do corpo da Anta do Norte é formada pelas estrelas ζ Cassiopeiae, ψ Andromedae e λ Andromedae, terminando na estrela SAO 51904, onde começa o seu pescoço.
A Constelação do Veado
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A Constelação do Veado - SYGÛASU |
A constelação do Veado é conhecida principalmente pelas etnias de indigenas brasileiros que habitam na região sul do Brasil, tendo em vista que para as etnias da região norte ela fica muito próxima da linha do horizonte.
Na segunda quinzena de março, o Veado surge ao anoitecer, no lado Leste, indica uma estação de transição entre o calor e o frio para os indigenas do sul do Brasil e entre a chuva e a seca para os indigenas do norte do Brasil.
A constelação do Veado fica na região do céu limitada pelas constelações ocidentais Vela (Vela) e Crux (Cruzeiro do Sul). Ela é formada utilizando, também, estrelas da constelação Carina (Carina) e Centaurus (Centauro).
A estrela γ Velorum (Suhail Al Muhlif) representa o focinho do Veado, sendo que sua cabeça é formada pelas estrelas SAO220138, SAO 220803, λ Velorum (Alsuhail), SAO 220371 e SAO 220204.
Partindo da estrela λ Velorum até as estrelas ψ Velorum e SAO 200163, temos os dois chifres do Veado.
A parte de cima do pescoço começa em κ Velorum e vai até SAO 220803, a parte de baixo começa em δ Velorum e vai até SAO 220138.
A parte de baixo do corpo do Veado começa a ser formada pela estrela δ Velorum, passando pelas estrelas ι Carinae (Aspidiske), SAO 250683, θ Carinae, η Crucis, ζ Crucis, α Crucis e ε Crucis, terminando em δ Crucis.
A cauda do Veado é representada pelas estrelas δ Crucis, β Crucis e γ Crucis. A parte traseira do Veado é formada por todas as estrelas da constelação Crux.
As duas pernas da frente começam em SAO 250683 e θ Carinae sendo que uma delas passa por υ Carinae, terminando em β Carinae (Miaplacidus) e a outra termina em ω Carinae. As duas pernas de trás começam em η Crucis e ζ Crucis sendo que uma delas passa por λ Muscae e ε Muscae, terminando em γ Muscae e a outra passa por α Muscae e β Muscae, terminando em δ Muscae.
A parte de cima do corpo do Veado é formada pelas estrelas γ Crucis, π Centauri e φ Velorum, terminando na estrela κ Velorum, onde começa o seu pescoço.
Referências Bibliográficas
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Jornal A União – "A origem siberiana dos Tarairus."
Olimpiadas Nacionales de Contenidos Educativos en Internet – "La cultura Guaraní: ¿Un Paraíso Terrenal?"
Villarrica, seção Folklore – "Los Guaraníes"
Povos Indígenas no Brasil – "Tupiniquim," "Potiguara," "Tremembé"
Blog Família Naves – "Cidade de São Paulo (458 anos), Berço da família Naves no Brasil"
IBGE, Brasil 500 – "Os números da população indígena."
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