quinta-feira, 29 de maio de 2025

Um Espaço de Cultura e Cauim dentro da Aldeia Indígena


Imagine como seria legal se tivéssemos aldeias indígenas que optassem por sediar uma unidade de produção de cauim contemporâneo em suas próprias instalações?!

A ideia é simples, mas poderosa: criar um espaço onde a cultura material ancestral se entrelace com a hospitalidade, proporcionando a visitantes uma imersão completa na tradição e história de cada povo.

Numa situação imaginária vemos mestres Cauineiros de etnias optantes colocando mosto no tanque de fermentação, com a evolução social nas aldeias, o cauim comercial, diferentemente do cauim ritualístico, pode ser feito por homens. Infewlizmente essa é uma imagem aspiracional - quem sabe um dia veremos essa e outras censa como essa nas aldeias.

Essas unidades poderiam contar com instalações para acolher turistas, compartilhar a história da etnia, apresentar pratos típicos e utilizar o cauim contemporâneo como instrumento para entabular o diálogo cultural. É importante destacar que o cauim contemporâneo não substitui nem invade o espaço do cauim ritualístico, que permanece sagrado e parte de uma tradição espiritual imaterial que respeitamos profundamente.

Em um trabalho multidisciplinar, envolvendo várias culturas, observamos que quando colocamos o cauim dentro de uma garrafa de cerâmica Marajoara de Icoaraci, uma linda formação de cristais esbranquiçados aparece e se espalha majestosamente pela lateral da garrafa.

Ao tornar-se optante, a aldeia receberia todo o know-how técnico da equipe do Cauim Tiakau para montar sua unidade de produção. Não oferecemos apoio financeiro direto, pois a marca ainda está em fase inicial e também busca recursos para promover essa nova categoria de bebida no mercado. Entretanto, colocamos à disposição nosso conhecimento, dedicação e rede de apoio para viabilizar juntos essa iniciativa.

O modelo de produção é simples e acessível: uma dorna de fermentação de no mínimo 100 litros, uma panela de cocção adequada para bebidas fermentadas e um sistema de resfriamento (chiller). O custo médio é de pouco mais de R$ 50.000 – um investimento que pode ser parcialmente revertido com a venda de garrafas de cauim produzidas em cerâmica artesanal local, dentro de uma lógica de lixo zero e baixa emissão ambiental, que ainda pode gerar créditos de carbono.

Nesta cena, vemos uma Cauim Apó Sará — uma das mulheres responsáveis pela produção do Cauim — realizando sua reverência à deusa Mani antes do preparo do Cauim Contemporâneo, num Kaûĩ Apoha (unidade produtora de cauim) de uma aldeia.Trata-se de uma imagem fictícia que representa simbolicamente o templo e os diversos elementos que surgiram ao longo da redescoberta do Cauim nos tempos atuais.No canto superior direito, observamos o Tembi Tarara, o estandarte do Cauim, com seus nichos que representam os sete (ou oito) passos da produção. Ao lado, há um pergaminho com a oração a Mani e, logo à frente vemos pendurado um Tykueryru, ainda sem os tradicionais galhos de pitanga.No chão, ao pé de uma planta de mandioca, estão Maracás cerimoniais enterrados, acompanhados de oferendas, feitas pelos trabalhadores, em honra aos ancestrais e ao espírito da bebida.

Este projeto não visaria transformar um símbolo espiritual em simples mercadoria. Pelo contrário: acreditamos que o cauim pode se tornar um símbolo de resistência cultural e de geração de renda, respeitando os saberes ancestrais e valorizando o que é próprio e sagrado de cada povo. Muitas aldeias hoje sofrem com a perda de áreas de caça, a poluição dos rios, a grilagem e a presença de madeireiros ilegais. E em algumas, a venda de um simples artesanato é tudo o que garante a próxima refeição.

O Surgimento de Uma nova Etapa Cultural

Sim, estamos testemunhando o surgimento de uma nova fase de nossa civilização — um movimento que desponta de forma espontânea, com profundo respeito às tradições e a colaboração ativa das etnias optantes. É como adentrar, ainda com a água nos joelhos, um vasto e promissor oceano cultural, repleto de belezas e oportunidades que apenas começamos a descobrir.

Na sala de crescimento do Koji, técnico conduz o processo de Sabẽ mbeîu moe’ẽ ( o esporo torna o beiju sápido)

Ao longo desse trabalho ainda em fase experimental, muitas vezes ficamos surpresos e admirados com o que nos surge, como novas expressões culturais espontâneas e novas peças simbólicas.

Nesses últimos 20 anos observamos a formação de 'cristais de cauim' que se formam do lado de fora das garrafas de cerâmica, uma peça nova foi criada a partir de um tipiti com galhos de pitanga, uma peça prática que tem o propósito de indicar o grau de amadurecimento do cauim produzido, carinhosamente chamado por um descendente dos Potiguara de Tykueryru, o mesmo o Tembi Tarara, um estandarte com a representação dos oito passos do processo de produção em Tupi Antigo*. 

A esquerda o Tembi tarara, estandarte do cauim com nichos, representando os sete (ou oito) passos para a produção do Cauim no processo tradicional, e o Tykueryru pendurado na frente de uma Kaûĩ apoha (fabrica de Cauim) para avisar o grau de matiridade da bebida. - No sentido horario temos : 1 - Aîpi Kytĩ-ana (descascar a mandioca) , 2 - Ungûá pupé o-îo sok (pilar e ralar a mandioca) , 3 - Tepiti pupé a’e t-y amĩ-î (passar no tipiti) , 4 Mopopur (ferver) , 5 - Aîpi o- su'u su’u I nomu (mastigar e cuspir) , 6 - Haguino (fermentação) , 7 - Mboaruru & Kaura (filtração e clarificação) e 8 - Tîaka-une (vamos beber).

O cauim contemporâneo pode representar um futuro próspero e possível, no qual tradição e inovação caminham lado a lado. Se a sua aldeia quiser abraçar esse caminho, estamos prontos para caminhar juntos.

Quem sabe o próximo item na cultura emergente pode vir de sua iniciativa?

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*Escolhemos adotar o Tupi Antigo como idioma base do processo de produção de cauim por encontrarmos estes nos texto antigos de Lery, Stadem e Anchieta, bem como por ser a língua indígena mais falada antes da proibição do Marquês de Pombal e por ainda estar presente em diversas toponímias e identidades culturais do Brasil. 

Cada etnia optante, no entanto, é livre para traduzir e adaptar esse processo ao seu próprio idioma e contexto. 

Cauim e Ancestralidade

Este artigo é a continuação de um post que escrevi em 2012 neste memso blog, no qual perguntei "como seria o Brasil se a cultura Tupi tivesse superado a cultura portuguesa?" (saiba mais).

Essa pergunta me ocorreu no início dos anos 2000, quando eu ilustrava para a revista Superinteressante, mais precisamente para a seção "Superfantástico", na qual perguntavam "e se..." (Ilustrei "e se pudéssemos nos teletransportar" - edição 175, maio de 2002 e "e se os gregos nunca tivessem existido" edição 175 do mesmo ano).

Essas perguntas me fizeram ciriar o movimento Nova Tupi e o estilo artistico Tupi Pop.

Quando comecei a fazer experiências com o cauim, minha intenção era puramente técnica. Queria desenvolver métodos contemporâneos de produção, explorar a bebida de maneira moderna, sem comprometer seu valor espiritual. Ao meu ver, o cauim dos tempos atuais não precisava — nem deveria — tentar se igualar ao cauim ritualístico ancestral, que merece respeito como algo maior do que uma simples bebida.

No entanto, ao longo do processo, percebi que não seria possível dissociar completamente o cauim de suas raízes sagradas, tal como o sake que é amplamente utilizado nos rituais budistas e xintoístas, o cauim é uma bebida intimamente ligada a espiritualidade brasileira.

Desde o início do projeto, envolvi representantes de diferentes etnias — especialmente Wassu Cocal, Potiguara, Guajajara, Yek'wana e Guarani Mbya — para me orientar tanto na tradução dos métodos para o tupi antigo quanto nas nuances culturais ligadas à bebida. E todos, sem exceção, foram unânimes: o cauim não pode ser separado de sua matriz espiritual.

Utensílios para preparo e degustação de cauim, pote de esporos, frascos e livro com receitas de ugaçaba

Como faço o denominado Cauim do Inhapuambuçu (o cauim dos meus ancestrais da antiga São Paulo de Tibiriçá, anterior a 1500 d.C. ), assumi essa linhagem significava também assumir a responsabilidade espiritual que a acompanha. 

E a questão que surgiu foi: como podemos honrar essa dimensão sagrada de forma verdadeira e respeitosa, dado que o último povo Tupi de São Paulo nos deixou há cerca de 400 anos e os outros se miscigenaram com os atuais 'Paulistanos'?

Para ser bem franco, deixo esta parte para os representantes religiosos das aldeias optantes consagrarem a produção de cauim conforme seus rituais condizentes, a fim de homenagear a Deusa Mani, seus ancestrais e outras entidades pertinentes. Mas, em relação aos meus ancestrais de Inhappuambucu, minha abordagem será diferente.

Deusa Mani e a Capivara - Quadro com moldura de Pau-Brasil. "Em minhas ilustrações Mani sempre aparece com uma capivara, pois além de criador desta história em quadrinhos, eu também fui o criador da Capivara Parade, baseado no movimento artístico Cow Parade".As capivaras são embaixadoras da natureza nos centros urbanos, pois, ao chegar para nadar nos poluídos rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, ou na poluída Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, elas nos mostram que é possível ter sustentabilidade nas cidades brasileiras.

Primeiro no Plano Espiritual, Depois na Terra

Como prova de que os acontecimentos que me levariam ao surgimento do cauim contemporâneo aconteceram primeiro no mundo espiritual e depois como projeção tomaram forma na Terra (como me foi dito por praticamente todos os representantes de todas as etnias com quem conversei), recebi, como gesto de amizade e confiança, um maracá e uma bela acangatara (cocar) com penas de papagaio, de membros da etnia Wassu Cocal.

Por sugestão deles, comecei a decorá-lo com penas de passaros da cidade, posto que a aldeia de Inhapuambuçu fica num dos maiores centros urbanos do mundo, num gesto simbólico dessa ponte entre os tempos, incluindo uma de um pequeno gavião que avistei perto do Parque da Aclimação, bem próximo da casa onde nasci, na Rua Dom Duarte Leopoldo, cuja pena encontrei logo após vê-lo perseguindo um sabiá, e que se tornou a pena principal do meu maracá.

Como o maracá é meu, e somente meu, e tem espírito próprio, segundo sua espiritualidade originária, decorei-o e pintei-o como quis, num ato de proximidade, admiração e respeito.

Pergaminho do Canto à Deusa Mani - Em uma adaptação completa aos dias atuais (já que os antigos povos indígenas nem sequer escreviam, confiando apenas na tradição oral para transmitir seus conhecimentos), o pergaminho é pendurado nas paredes como uma lembrança.

Canto a Mani

O amigo Ariel, estudioso do tupi antigo, escreveu uma canção de louvor a Mani — a entidade associada à origem da mandioca — que costumo cantar antes de cada produção de cauim:

Mani omanõ yby resé toîkó 
oré 'anga rembi'urãmamo.

Mandi'oka asé reté oîopóî; 
kaûĩ asé 'anga oîopóî.

Tradução

‘Mani morreu da vida terrena para virar alimento espiritual do nosso povo’

‘A mandioca alimenta o corpo 
e o Cauim alimenta o espírito’

Glossario em Tupi Antigo

Mani - Deusa Mani da mandioca;
manõ - morte, morrer;
yby - Terra, mundo;
embi-u - (ou emiú) -(t) (s) comida;
asé - a gente; nós (universal);
angá - espírito, alma (eco, sombra);
eté -(t) (s) corpo;
kaûĩ - Cauim;
poî - (îo) almientar, dar de comer;

Transplantação Tupi: Entre o Espiritual e o Cultural

Assim como iniciei a experimentação do uso do koji kin para quebrar o amido da mandioca — inspirando-me nos japoneses, ancestrais genéticos dos povos que teriam cruzado o estreito de Bering, segundo algumas teorias —, também busquei referências em experiências de transplantação religiosa, tal como a da Igreja Messiânica fez para introduzir seus cultos no Brasil, num processo que se chama transplantação.

Autores como Susumu Shimazono e Andrea Tomita explicam como se deu a adaptação de cultos e rituais religiosos em contextos culturais diferentes, utilizando o conceito de transplantação religiosa, desenvolvido por Martin Baumann para descrever a introdução do budismo na Alemanha.

De modo semelhante, nos anos 1950, ocorreu no Brasil um processo de transplantação da Igreja Messiânica Mundial, fundada por Mokiti Okada no Japão, para o contexto brasileiro. Essa migração espiritual envolveu não apenas mudanças de linguagem e rituais, mas também uma aproximação simbólica com aspectos da cultura local.

Curiosamente, há várias coincidências culturais entre os messiânicos e a espiritualidade tupi: um dos conceitos centrais da Igreja Messiânica, por exemplo, é o de que somos a soma de todos os nossos antepassados e que devemos fazer oferendas de alimentos e cantar para eles — ideia que também ressoa com a visão ameríndia de ancestralidade.

Um ambiente de reverência à Deusa Mani dentro de casa ou de uma unidade de produção Cauim, vemos a pintura com uma oração à Mani, o Ietamemuã no centro com um suporte para colocar as Maracas e suas oferendas.

Inspirado por esse paralelismo e rituais budistas como o sambo (altar de oferendas), decidi criar um rito adaptado ao contexto urbano atual. Como não é possível enterrar o maracá no solo das grandes cidades, desenvolvi uma peça simbólica que permite sua fixação dentro de casa — uma estrutura chamada Ietamemuã – uma abreviação de Ietamongaba Karamemuã, nome em tupi antigo para ‘altar de oferendas aos maracás’, inspirado na forma tradicional das oferendas feitas pelos caraíbas da época de Lery.

Em tupi antigo:

Ietamongaba significa "oferta" ou "oferenda";

Karamemuã designa uma "caixa" ou "receptáculo sagrado";

A exemplo de uso, a frase "Aîinhetamong Mani Rese" pode ser traduzida como "Façamos uma oferenda para a Grande Mani".

Esse rito, ainda que contemporâneo, busca respeitar a essência ancestral da prática, criando pontes entre o passado e o presente, entre o sagrado indígena e a vida urbana moderna — sem descaracterizar sua força espiritual.

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E assim, aos poucos, rituais de celebração e respeito aos ancestrais vão surgindo nessa nova cultura que renasce. Não como uma cópia do passado, mas como um tributo vivo, sensível e consciente àquilo que nunca deixou de existir: o espírito do cauim.



segunda-feira, 26 de maio de 2025

Projetos de Luiz Pagano Arte & Marketing


Seria possível mudar a baixa autoestima de uma nação — ou até mesmo reescrever seu destino — por meio da arte, da cultura ou do marketing?

A resposta talvez esteja em nomes que ousaram transformar o mundo com ideias que, no início, pareciam absurdas. Takashi Murakami resgatou o orgulho cultural do Japão pós-guerra através da estética pop e da crítica embutida no movimento Superflat. Yuval Noah Harari ajudou a humanidade a se enxergar de forma nova com histórias bem contadas sobre o passado e o futuro. Santos=Dumont, ao se elegantemente e trazer o voo para a humanidade não apenas inventou uma máquina — ele inventou uma identidade. Thomas Edison não criou apenas lâmpadas, mas acendeu uma era.

Todos eles sabiam que narrativas mudam civilizações. E é essa mesma convicção que move a Blemya, meu projeto de vida.

O Que é Blemya?
Blemya é um projeto artístico e cultural idealizado por Luiz Pagano, que busca resgatar e valorizar a identidade brasileira por meio da arte, cultura e marketing. Inspirado na figura mitológica das "Blemyas" — seres sem cabeça com rostos no peito —, Pagano utiliza essa imagem como metáfora para representar o Brasil como um país que pensa e sente com o coração, unindo emoção e razão.

Símbolo de identidade nacional: A Blemya personifica o povo brasileiro, muitas vezes percebido como diferente ou até mesmo assustador aos olhos do mundo. Pagano enxerga essa diferença como uma oportunidade de transformação, destacando a capacidade do Brasil de integrar sabedoria intuitiva e conhecimento científico.

Influência de Takashi Murakami: Inspirado pelo movimento Superflat de Murakami, que resgatou o orgulho cultural do Japão pós-guerra através da estética pop, Pagano busca criar uma estética brasileira que una elementos tradicionais e contemporâneos, promovendo o "Tupi Pop".

Prospenomics: Conceito desenvolvido por Pagano que propõe uma economia baseada na prosperidade, equilíbrio e inteligência, visando uma sociedade de pós-escassez que valoriza a cultura e a criatividade.

Projeto Py’araku: Termo em tupi antigo que significa "fazer crescer o Deus interior, de alma quente, com um coração quente". Este projeto é uma ferramenta de avaliação e difusão de boas práticas culturais e humanas, promovendo o entusiasmo estruturado para o Brasil. Valorização da cultura indígena: A Blemya busca resgatar e valorizar a cultura indígena brasileira, especialmente por meio do Tupi Pop, criando um novo imaginário nacional capaz de dialogar com o mundo com sofisticação e originalidade.

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Em resumo, Blemya é uma iniciativa que utiliza a arte e a cultura como ferramentas para reescrever o destino do Brasil, promovendo uma identidade nacional mais confiante, criativa e integrada às suas raízes ancestrais.



Logo da Blemya

A Blemya é arte, é marketing, é cultura de resistência, é tecnologia emocional. É um monstro simbólico que não tem cabeça — porque pensa e sente com o peito. Um símbolo do Brasil que ressurge de si mesmo. Um esforço estético e estratégico para fazer do Tupi-pop uma nova lente para o país se enxergar com mais coragem, humor, dignidade e propósito.

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Luiz Pagano com amigos na exposição de Takashi Murakami em Versailles - Setenmbro de 2010

A primeira vez que vi a arte de Takashi Murakami foi no lugar mais improvável: o Palácio de Versalhes, em agosto de 2010. Era uma mistura entre o universo pop japonês e a opulência barroca do palácio, que me causou, num primeiro momento, um certo desconforto — quase como se fosse uma profanação estética. Mas algo naquela provocação me fisgou. Dias depois, folheando o photobook oficial da exposição, com a assinatura do próprio Murakami na capa ( que acabei comprando), tive uma espécie de epifania. Era como se o universo me enviasse um sinal: o que ele fazia com a cultura japonesa, eu poderia — e deveria — fazer com o Brasil.

Inspirado por Murakami que fez flores brotarem em bombas atômicas, pretendo fermentar o cauim no cuspe da baixa autoestima dos vira-latas.


Murakami criou o movimento Superflat, um estilo artístico que rompe fronteiras entre arte erudita e cultura de massa, influenciado por mangás, animes e pela estética gráfica japonesa. Sua crítica à superficialidade da cultura consumista nipônica não é feita de fora, mas sim a partir de dentro — ele a abraça e a ressignifica. Combinando estética pop, produção em escala (com estúdios operando como fábricas) e colaborações com grandes marcas como a Louis Vuitton, Murakami transformou sua arte em marca, e sua marca em símbolo de identidade cultural.

Essa visão foi o estopim para algo que, no fundo, sempre esteve dentro de mim.

Luiz Pagano com amiga na exposição Tupi Pop - Agosto de 2017

Antes disso tudo, em 2007 criei a Blemya Media Group, que nasceu com uma missão ambiciosa: melhorar o Brasil por meio de duas frentes complementares. A primeira é a criação de melhores condições de vida por meio de inteligência, criatividade e tecnologia, estruturada pelo conceito que chamo de Prospenomics, baseado na minha monografia da faculdade — a economia da prosperidade. A recente onda do Blog abriu esse caminho para mim.

Este artigo, junto com tanos outros,  é a continuação de um post que escrevi em 2012 neste mesmo blog, no qual perguntei "como seria o Brasil se a cultura Tupi tivesse superado a cultura portuguesa?" (saiba mais).

Essa pergunta me ocorreu no início dos anos 2000, quando eu ilustrava para a revista Superinteressante, mais precisamente para a seção "Superfantástico", na qual perguntavam "e se..." (Ilustrei "e se pudéssemos nos teletransportar" - edição 175, maio de 2002 e "e se os gregos nunca tivessem existido" edição 175 do mesmo ano).

Todos esses quetionamento me fizeram ciriar o movimento Nova Tupi e o estilo artistico Tupi Pop (saiba mais).

Luiz Pagano pintando em seu estúdio (chamdo de Blemya) - Referências de Murakami e Brecheret servem de código para mudar a autoestima de uma nação.

A segunda é o resgate e a valorização da cultura indígena brasileira, especialmente por meio do Tupi Pop, criando um novo imaginário nacional capaz de dialogar com o mundo com sofisticação e originalidade.


Junto a um grupo de colaboradores improváveis, construímos uma plataforma cultural que conecta ancestralidade com contemporaneidade. Nosso projeto central é o Py’araku, termo em tupi antigo que significa “fazer crescer o Deus interior, de alma quente, com um coração quente” (para referência, a Blemya é um monstrinho fofo que não tem cabeça e, portanto, o coração e o cérebro estão juntos no peito). Py’araku é nossa ferramenta de avaliação e difusão de boas práticas culturais e humanas — uma espécie de “entusiasmo estruturado” para o Brasil, equivalente ao mono no aware japonês ou ao enthousiasmós grego.

Indigenas em Toy Art colecionáveis  - A cada caixa muitas informações e entretenimento. 

Assim como Murakami resgatou o orgulho cultural do Japão em meio ao trauma pós-guerra e à invasão cultural americana, acredito que o Brasil precisa também curar suas feridas internas, usando como código o Tupi de Policarpo Quaresma — especialmente a persistente síndrome de vira-latas, que nos faz admirar apenas o que vem de fora.

Tupi e Brecheret

Outra referência fundamental para mim foi o Tupi de São Paulo — uma presença muito mais viva nos anos 1970, durante minha infância,  do que parece hoje. Explico: lembro com carinho dos passeios com meu pai ao Parque do Ibirapuera. Depois, seguíamos para o Shopping Iguatemi, e ai voltavamos para casa, minha avó assistia a TV Tupi e comíamos mandioca com catupiry. Pode parecer simples, mas ali o Tupi e Brecheret apareciam com naturalidade no meu cotidiano.

Essas referências não estavam em museus distantes, no dia-a-dia, nos nomes, nas paisagens. Por isso, além de Murakami, Brecheret se tornou para mim uma influência obrigatória — ambos me ajudaram a entender que é possível criar uma arte contemporânea com raízes profundas e autênticas.

Foi um grande privilégio e orgulho ter uma das capivaras do Capivara Parade feito com a intervenção de Jaime Lerner (sua equipe), o incrível urbanista que criou, entre outras coisas, o ônibus biarticulado e a capivara biarticulada.

Projetos como a Capivara Parade, em parceria com o Shopping Palladium de Curitiba, e a recriação do cauim através do Tiakau — uma bebida indígena ancestral transformada em símbolo de brasilidade — são expressões práticas desse movimento. São ações que unem arte, cultura, branding e impacto social. São sementes de autoestima plantadas em solo nacional.

Mesmo com recursos limitados, as intenções são grandes. Através da Prospenomics, abrimos caminhos onde arte e identidade nacional caminham juntas, de forma acessível, poderosa e transformadora.

O Mundo é o Que Fazemos Dele

Um amigo me disse, certa vez: “Você já está quase com 60 anos e sua arte não pegou. O cauim não foi pra frente, os Heróis da Bruzundanga venderam de forma pífia, sua estética é considerada ruim, e a única coisa que funcionou — mal — foram as ilustrações da Superinteressante, os poucos quadros vendidos e a Capivara Parade... Desista.” Naquele momento, suas palavras soaram como uma verdade dura e inevitável.

Luiz Pagano no estúdio 'Blemya', pintando sua Capivara para o Capivara Parade de Curtiba - 2016

Mas, com o tempo, percebi que essa visão é limitada. Sim, é natural querermos que nossa arte seja vista, compreendida e acolhida. Talvez a minha não seja agradável aos olhos da estética dominante, nem se encaixe nos moldes atuais do mercado. Mas esse é justamente o preço de andar na contramão — e eu aceito pagá-lo.

Porque, no fundo, eu não faço arte para agradar. Faço para comunicar. Faço para que a mensagem ressoe em quem estiver pronto para ouvi-la. Chris Langan, com sua teoria CTMU, afirma que o universo é uma constante interação entre múltiplas consciências. E a minha consciência — por mais teimosa que pareça — está presa a uma missão clara: traduzir o Brasil profundo por meio do Tupi Pop.

É nisso que acredito. É isso que me move. Porque o mundo não é o que os outros dizem que ele é. O mundo é o que fazemos dele.

Projetos sob o guarda-chuva Py’araku

0. Prospenomics (1988) — Quando Tudo Começou


A semente da Prospenomics foi plantada em 1988, durante minha monografia na UNIFIEO — minha verdadeira alma mater. Digo isso com convicção, mesmo sabendo que muitos torcem o nariz para a instituição, presos à síndrome de vira-latas que insiste em desvalorizar tudo que é brasileiro e fora dos grandes centros consagrados. Mas foi lá que tive a honra de ser orientado pelo Professor Decano Antônio Pacheco Mercier, um dos educadores mais brilhantes e íntegros que já conheci.

A proposta da monografia era ousada: usar a ficção científica como ferramenta para repensar a economia e a administração pública. Inspirado por “Star Trek” e pelos mundos visionários de Júlio Verne, imaginei sistemas prósperos, éticos e sustentáveis — um exercício de futuro aplicado ao presente, que viria a se tornar o embrião da Prospenomics, a “economia da prosperidade” Saiba mais.

A UNIFIEO, afinal, tem uma história que poucos conhecem e muitos ignoram. Foi fundada por Amador Aguiar, criador do Bradesco — um dos maiores bancos do Brasil — e está fincada na cidade de Osasco, berço do primeiro voo motorizado da América Latina, feito por Dimitri Sensaud de Lavaud, verdadeiro gênio pioneiro do século XX. Esses fatos são apagados pela nossa própria falta de autoestima nacional, mas são pedras fundamentais de um Brasil que acredita em si mesmo.

Prospenomics nasce desse espírito: uma resposta criativa e crítica à cultura do fracasso, com o sonho realista de um país que se reinventa com inteligência, arte e coragem.

Logo do Tupi Pop

1. Tupi-Pop (Início dos anos 1990)
Estilo artístico criado por Luiz Pagano para promover o amor ao Brasil, inspirado na forma como os japoneses valorizam sua cultura. A própria font usada tem referências japonesas e tupi.

Conecta elementos indígenas e japoneses como raízes espirituais comuns Saiba mais.

1.1 alfabeto Tupi- Pop

Desde pequeno, lembro-me de um alfabeto estranho que encontrei entre os livros do meu avô. Ele era um tropeiro de Leopoldina, Minas Gerais, e, assim como eu, tinha grande admiração pela cultura brasileira, principalmente tupi.


Decidi adaptar esse alfabeto para a minha arte, já que o alfabeto também desempenha um papel fundamental na autoestima de um povo, como bem observou o rei coreano Sejong.

O rei Sejong mudou profundamente a história coreana com a introdução do alfabeto Hangul. Antes da criação do alfabeto Hangul, apenas membros da classe alta eram alfabetizados. Sabendo que os sacerdotes não permitiriam que o alfabeto sagrado fosse alterado, ele decidiu usar um truque para enganá-los, escreveu com uma substância doce em folhas de pandamus, para que as formigas as comessem em padrões pré-determinados.

Alfabeto Tupi Pop de Luiz Pagano

Ele mostrou as marcas aos sacerdotes e disse-lhes que os deuses haviam enviado um novo sistema de escrita - voilà! Um novo alfabeto, muito mais simples, foi institucionalizado (saiba mais).



2. Blogs – Ame o Brasil (2007)

Plataforma de ativação com base na filosofia Angatú ("de alma boa").

Em "Ame o Brasil", a premissa é simples: para amar é preciso conhecer. Quem conhece cuida; quem ama, cuida. Esse projeto nasceu do desejo de recontar as histórias e lendas que formam o imaginário nacional, preservando nossa identidade e inspirando novas expressões artísticas.

Importante que se diga que não tem nada a ver com a campanha política dos anos 1970.

Na época, utilizamos um novo canal de blogs para dar voz a narrativas esquecidas e redescobrir contos que corriam o risco de se perder no tempo. Um exemplo marcante foi a recontagem da lenda da Gruta da Sununga, em Ubatuba ou a história dos sambaquis—a partir delas, os mistérios e tradições se entrelaçaram com o universo da Toy Art indígena, lançando novos olhares e interpretações sobre nossa cultura.

"Ame o Brasil" é, portanto, um convite: ao mergulhar nessas histórias, o leitor se reconecta com as raízes do país, reconhecendo que, ao conhecer, surge a responsabilidade de cuidar e preservar. Essa reconexão não só fortalece o orgulho nacional, mas também alimenta uma revolução cultural, transformando lendas em arte e, assim, contribuindo para a construção de um Brasil mais consciente, belo e, sobretudo, amado.
Logo da Capivara Parade

3. Capivara Parade (2008), Realizada em (2016) — Arte, Resistência e Solidariedade

A Capivara Parade nasceu quado eu passava de trem pelas águas poluídas do Rio Pinheiros, em São Paulo. A pergunta que surgiu foi: como esses animais conseguem sobreviver nesse ambiente degradado? Essa imagem se tornou um símbolo da resiliência e adaptabilidade da fauna brasileira frente à urbanização desenfreada.

Luiz Pagano na abertura do Capivara Parade de Curitiba - Junho de 2016

Inspirada na Cow Parade de Pascal Knapp, a Capivara Parade foi um dos artigos do blog (Saiba mais), junto com a Lenda da Capivara Paulistana e quadros do memso tema, concebida como uma homenagem à resistência das capivaras nos rios urbanos. A iniciativa ganhou vida em 2016, em Curitiba, por meio de uma parceria entre o Shopping Palladium e o estúdio Fábrica, de William Batista. O projeto contou com a participação de diversos artistas e personalidades, como o urbanista Jaime Lerner, que criou a "Capivara Biarticulada" em alusão ao sistema de transporte coletivo que implementou na cidade, e o humorista Diogo Portugal, que apresentou a "Risoleta", uma capivara comediante. Outros artistas envolvidos incluíram Dani Heining, Di Magalhães, Luiz Pagano, Juarez Fagundes e designers 

A exposição foi composta por oito esculturas de capivaras em fibra de vidro, com 1 metro de altura e 1,5 metro de largura, pintadas e customizadas pelos artistas participantes. Inicialmente exibidas no Shopping Palladium, as obras posteriormente percorreram diversos pontos turísticos de Curitiba, como a Boca Maldita, Praça Santos Andrade, Praça Rui Barbosa, Jardim Botânico, Mercado Municipal e Parque Barigui. 

O projeto teve um caráter beneficente, com o leilão das esculturas revertendo R$23.000,00 para a Campanha do Agasalho de Curitiba, evidenciando o poder transformador da arte aliada à solidariedade. 

A Capivara Parade exemplifica como a arte pode ser uma ferramenta poderosa para conscientização ambiental e engajamento social, promovendo a valorização da cultura brasileira e incentivando ações em prol de um país mais justo e sustentável.



4. Indígenas e Orixás em Toy Art (2008)

O projeto "Indígenas e Orixás em Toy Art" surgiu de uma constatação pessoal: meu filho conseguia nomear quase uma centena de personagens de Pokémon, mas mal reconhecia dez etnias indígenas brasileiras. Essa disparidade evidenciou a necessidade de criar ferramentas lúdicas que aproximassem as crianças da rica diversidade cultural do Brasil.

Indigenas em Toy Art colecionáveis  - A cada caixa muitas informações e entretenimento. 

Inspirado por essa percepção, desenvolvi uma linha de 'toys colecionáveis' (saiba mais) que representassem mais de 240 etnias indígenas, com pesquisa elaborada num trabalho que já dura uma vida, pois desde pequeno pesquiso e desenho essas etinas. 

Tem também os orixás das religiões de matriz africana, personágens como Lampião e lendas como o Saci Pererê - todos na forma de Toy Art. A ideia era simples, mas poderosa: só se protege o que se ama, e só se ama o que se conhece. Ao transformar essas figuras em brinquedos acessíveis e atrativos, buscava-se fomentar o interesse e o respeito pelas culturas originárias do país.

Caixa de Toy Art Ashaninka

O projeto "Indígenas e Orixás em Toy Art" também se insere nesse contexto de resgate e valorização cultural, utilizando o lúdico como meio de educação e conscientização. Ao transformar elementos culturais em brinquedos, busca-se não apenas entreter, mas também educar, promovendo o conhecimento e o respeito pelas diversas culturas que compõem o Brasil.

Essa iniciativa é um passo na construção de uma sociedade mais inclusiva e consciente de sua diversidade, onde as crianças crescem reconhecendo e valorizando as múltiplas identidades que formam o tecido social brasileiro.

Logo do Projeto Kauin

5. Cauim – Diálogo e Cultura Através da Bebida (2010)

Cultura líquida como ferramenta de transformação

O projeto Cauim nasceu da união entre duas grandes paixões que moldam minha trajetória: o Brasil — com sua complexa trama de culturas originárias — e o universo das bebidas, que carrega em si séculos de história, trocas e civilização. 

Luiz Pagano usando a camiseta do Projeto "Kauin" e  作永ひかる(Hikaru Sakunaga)

O cauim, bebida fermentada ancestral dos povos tupis, foi por muito tempo invisibilizado — tratado como curiosidade antropológica ou folclore exótico. O objetivo aqui é outro: resgatá-lo como ativo contemporâneo, etílico-gastronômico e cultural, com potencial para inaugurar uma nova categoria de bebidas autênticas, ligadas ao território, ao saber indígena e aos biomas brasileiros.

Este projeto não é apenas sobre bebida, é sobre pertencimento e autonomia. Ao estimular a produção do cauim dentro das aldeias — respeitando rituais, ingredientes e conhecimentos locais — buscamos gerar renda, visibilidade e protagonismo para culturas indígenas optantes que desejam se projetar no mercado com sua própria narrativa. É uma forma de ativar uma economia cultural conectada ao passado, mas com os olhos voltados para o futuro.

Lançar uma nova categoria de bebidas é raro. Fazer isso a partir de uma bebida nativa, com raízes tão profundas, é uma oportunidade de reescrever o mercado e, ao mesmo tempo, contribuir para a valorização e a preservação de culturas e ecossistemas inteiros.

Cauim Contemporâneo não é apenas uma bebida: é um convite ao diálogo. É uma ponte líquida entre civilizações.

Logo do Cauim Tiakau

5.1 Tiakau (2016)

Tiakau, que em tupi antigo significa “vamos beber”, é a marca atual que consolida uma trajetória de pesquisa e paixão em torno do cauim — bebida fermentada ancestral dos povos indígenas brasileiros.

Garrafa de Cauim Tiakau - Grandes restaurantes brasileiros como DOM, Mocotó e Banzeiro são obrigados a servir vinhos europeus para harmonizar com pratos brasileiros elaborados - o cauim Tiakau surge como a solução perfeita para esse problema: desenvolvemos um cauim premium, uma bebida sofisticada 100% mandioca e 100% brasileira.

O projeto ganhou forma a partir de experiências práticas que realizei ao lado da Sommeliere de sake Grande amiga 作永ひかる (Hikaru Sakunaga), especialista na fermentação japonesa e na produção de bebidas tradicionais como o sake e o shōchū. Em uma viagem ao Japão, aprofundei meus estudos no método koji kin, buscando compreender como as técnicas milenares japonesas de fermentação poderiam dialogar com a mandioca, ingrediente sagrado dos povos originários brasileiros.

Luiz Pagano e Hildo Sena produziram um lote inical de Cauim Tiakau - 100% Mandioca - Novembro de 2023

Esse intercâmbio cultural e técnico deu origem ao Tiakau, uma bebida que respeita o espírito do cauim tradicional, mas que também inova ao aplicar rigor científico e métodos controlados de fermentação, maturação e envase. O projeto ganhou força com a associação ao engenheiro Hildo Sena, com quem fundei a marca Cauim Tiakau (saiba mais)

Tiakau não é só uma bebida. É uma nova categoria dentro do mercado de bebidas artesanais — com potencial etílico, gastronômico e simbólico. Une duas paixões: o Brasil profundo, com sua riqueza de biomas e tradições, e o mercado de bebidas, com sua capacidade de criar cultura líquida, gerar valor e promover transformações sociais.

Mais do que uma retomada, Tiakau é um convite: vamos beber para celebrar, para lembrar, para reconectar — com a terra, com o sagrado, com a nossa própria história.
Antes se chamava Caraúna (folha parda, alusão ao dinheiro), e evoluiu com o foco na experiência cultural e valorização indígena.

Logo do Projeto Tembiu


6. Tembi’u – Gastronomia em Tupi Antigo (Abril 2015)

O Projeto Tembi’u (que em tupi significa "comida" ou "aquilo que se come") nasceu de uma inquietação comum: como valorizar a riqueza dos ingredientes amazônicos e inseri-los com dignidade e protagonismo na coquetelaria brasileira?

Luiz Pagano e a equipe de mixologistas da Pernod Ricard: Rafael Mariachi, James Guimarães e Alan Souza trouxeram mais de 110 ingredientes da floresta amazônica para o evento da Absolut Flavors, que reuniu Gastronomia e coquetelaria - Projeto Tembiu

Em parceria com a Pernod Ricard Brasil, e com verba institucional da vodka Absolut, reuni-me aos mixologistas Jamesm Guimarães, Alan Souza e Rafael Maricachi em uma expedição criativa e sensorial rumo à Amazônia. Lá, sob a orientação dos irmãos Thiago e Felipe Castanho, chefs do lendário restaurante Remanso do Peixe, de Belém, mergulhamos no território, nos mercados, nas aldeias e nos quintais amazônicos.


Foi uma jornada de pesquisa e escuta — mais do que trazer ingredientes exóticos ao copo, queríamos entender o que eles significavam para os povos da região. O jambu, por exemplo, que hoje aparece em drinks Brasil afora por seu efeito anestésico e sua excentricidade sensorial, foi um dos elementos que resgatamos, junto a tucupi negro, priprioca, bacuri, castanha-do-pará, entre outros.

Esse movimento, pioneiro na coquetelaria nacional, ajudou a romper a lógica de importação de tendências e ingredientes e inaugurou um novo olhar sobre o Brasil como território de inovação — a partir da sua própria biodiversidade e ancestralidade.

Mais do que criar receitas, o Projeto Tembi’u ajudou a lançar uma tendência: a da coquetelaria de pertencimento, onde o copo conta histórias e carrega o gosto de um país complexo, vivo e potente.

Logo dos Heróis da Bruzundanga


7. Heróis da Bruzundanga (HQ)

Os Heróis da Bruzundanga, uma HQ Tupi Pop, é uma releitura dos textos críticos e satíricos de Lima Barreto — especialmente de sua obra Os Bruzundangas e Triste Fim de Policarpo Quaresma — transformada em uma narrativa visual voltada ao público jovem, mas com camadas de reflexão que dialogam com todas as idades.

Lançamento da HQ Os Heróis da Bruzundanga na Livraria Cultura - 2017

Neste universo alternativo, o Brasil é um país próspero, belo e repleto de potencial. Já a Bruzundanga representa o seu oposto: um espelho distorcido do Brasil real, corroído por corrupção, má administração e desvalorização cultural. É nesse cenário que surgem os Heróis da Bruzundanga: personagens que, munidos da força simbólica da Cultura Tupi-Pop, enfrentam inimigos inusitados e provocadores, como Fujoshi, o Exército das Formigas e os Tupi-Rerekoara — uma seita radical canibal que distorce os valores originários.

A HQ é mais do que entretenimento: é uma ferramenta crítica e criativa para discutir o Brasil de forma acessível, satírica e, ao mesmo tempo, esperançosa. Com uma estética original que mistura grafismos indígenas, cultura pop e uma narrativa dinâmica, a série visa reconstruir o imaginário coletivo nacional, oferecendo aos leitores histórias que nunca nos contaram na infância — mas que deveriam ter contado.

A proposta é clara: usar a ficção como força transformadora. Criar um laço entre arte, crítica social e identidade nacional. Os Heróis da Bruzundanga são parte fundamental da costura de um Brasil alternativo e próspero — onde conhecer e amar o país é o primeiro passo para protegê-lo e transformá-lo.

Outros Projetos Associados

Blog A Maravilhosa Vida de Santos=Dumont (saiba mais) : para inspirar jovens a valorizarem a ciência e a se orgulharem do Brasil por meio de um herói nacional.

Nasceu do desejo de resgatar o orgulho nacional por meio da valorização de um dos maiores gênios que o Brasil já teve: Alberto Santos=Dumont. Muito além de ser o “pai da aviação”, Dumont representa o espírito criativo, visionário e generoso que o brasileiro pode — e deve — cultivar em si mesmo.

O Prêmio Mérito Homem Voa criado por Luiz Pagano em 2016, em Tóquio, e agraciado pelo Insittuto Cultural Santos Dumont (saiba mais) , que celebra brasileiros e estrangeiros que, com suas ideias e ações, elevam a imagem do país e mostram que voar é possível — no sentido literal e no simbólico. 

Luiz Pagano - criado do Prêmio Mérito Homem Voa

O primeiro homenageado foi a equipe da Revista Agora, da primeira classe da Japan Air Lines, entre eles Yasuyuki Ukita, um descendente de Kōkichi Ukita (浮 田 幸 吉, 1757 - 1847) o premiado foi o neurocientista Miguel Nicolelis, por seu trabalho inovador e humanista que conecta ciência, tecnologia e impacto social.

Professor Nicolelis recebendo o Prêmio Mérito Homem Voa, das mãos de sobrinhos-bisnetos do Aviador

O objetivo do blog é claro: estimular jovens a sonhar alto, investir na ciência, se inspirar nos heróis brasileiros e reconstruir o senso de orgulho por nossa história e nosso potencial. Com linguagem acessível e temas que dialogam com tecnologia, cultura e inovação, “A Maravilhosa Vida de Santos Dumont” mostra que o futuro do Brasil pode — e deve — ser grandioso. Basta que a gente reconheça o que já somos capazes de fazer.

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Promover o respeito e a admiração pelas coisas do Brasil — suas culturas, seus biomas, seus povos originários e saberes — é uma tarefa que exige mais do que talento ou boas ideias. É preciso insistência, coragem e, acima de tudo, amor. Projetos como o Cauim Tiakau, a Capivara Parade, os Heróis da Bruzundanga, entre tantos outros que compartilhei aqui, nascem de uma visão artística e de marketing que se propõe a ir além da estética: buscam tocar consciências, reencantar o olhar sobre o que é nosso.

Capivara Parade - sonho que se realiza nas ruas de Curitiba - Junho de 2016

Confesso que muitas vezes é difícil transformar essas ideias em realidade. A distância entre o mundo ideal que carrego na mente e o mundo real é imensa — e por vezes frustrante. Mas sigo acreditando que é possível construir um Brasil mais admirado por seus próprios habitantes, por meio da cultura, da bebida, da arte, do riso e da história contada de um novo jeito.

Se você leu até aqui e algo disso ressoou em você, te peço uma coisa simples, mas poderosa: me ajude a divulgar esse trabalho. Curta, compartilhe, fale sobre ele. Porque só se protege o que se ama — e só se ama o que se conhece. Vamos fazer o Brasil se reconhecer e se respeitar. Juntos.


 

terça-feira, 13 de maio de 2025

Efeito Havaianas Tem que ser Cool Abroad para ser Cool no Brasil

 


Muitos produtos genuinamente brasileiros só ganham prestígio nacional depois de serem legitimados no exterior. Essa inversão de valores, em que o olhar estrangeiro é necessário para validar o que é nosso, ficou conhecida — informalmente — como “Efeito Havaianas”.


A analogia vem das tradicionais sandálias Havaianas, lançadas nos anos 60 e por muito tempo associadas às classes populares. Durante décadas, foram desprezadas por grande parte da elite brasileira. A reviravolta aconteceu quando passaram a ser usadas por estrangeiros descolados, aparecendo em editoriais de moda como na revista Wallpaper nos anos 1990. Só então, passaram a ser vistas como um ícone de estilo também no Brasil.

Esse fenômeno se repete em diversas categorias. O hidromel, por exemplo:

Há 4 anos tento consolidar a categoria por aqui, com resultuados pífios. Acredito que um dos principais motivos é a falta de uma referência estrangeira bacana – como a americana Superstition Meadery – que possa "legitimar" a categoria aos olhos do consumidor brasileiro. Sem esse aval externo, os produtos nacionais acabam estagnados, mesmo com qualidade e história.

Recentemente, ao apresentar o projeto do Cauim Tiakau, ouvi de um profissional experiente de marketing:

“Você precisa lançar esse produto primeiro na Europa, nos EUA ou no Japão. Aqui, vai levar muito tempo para pegar — se é que vai.”

É a velha lógica do Efeito Havaianas. O cauim, bebida ancestral tupi com profundo valor histórico, ambiental e cultural, continua marginalizado no próprio país. No século XVI, era a principal bebida do Brasil, hoje, praticamente desapareceu da mesa do brasileiro. Reverter esse cenário é um desafio — e exige, ironicamente, o reconhecimento internacional para resgatar o orgulho nacional.

Esse modelo de reposicionamento internacional como estratégia de valorização local foi colocado em prática com sucesso em 2004 pela Sagatiba, uma cachaça criada por Marcos de Moraes, filho do empresário Olacyr de Moraes. Marcos tinha uma visão clara: transformar a imagem da cachaça — muitas vezes vista como rústica e popular demais — em algo sofisticado, exportável e desejado por públicos cosmopolitas.

Ao invés de investir diretamente no Brasil, Moraes decidiu lançar a Sagatiba primeiro na Europa, mais especificamente em Londres, com o apoio de uma das maiores agências de publicidade do mundo: a Saatchi & Saatchi. O conceito por trás da campanha era simples e poderoso: apresentar a cachaça como uma bebida de alto padrão, com design minimalista e uma brasilidade elegante, digna de bares premium e coquetelarias modernas.

A estratégia funcionou. A marca rapidamente ganhou espaço em clubes, hotéis e bares badalados da Europa, tornando-se símbolo de autenticidade brasileira — só que chancelada pelo gosto europeu. E só depois disso começou a ser percebida de forma mais positiva também no Brasil, onde passou a disputar espaço com vodkas e whiskies nas prateleiras das casas noturnas e eventos de alto padrão.

A Campanha “Pure Spirit of Brazil”

Com um orçamento de £20 milhões (aproximadamente R$ 150 milhões na época), o desafio era claro: criar um novo imaginário para uma bebida brasileira sem cair nos clichês. Nada de samba, carnaval, futebol ou favela. O briefing era criar algo disruptivo, surpreendente, mas ainda autêntico.

Depois de ideias rejeitadas, a solução criativa foi ousada: um modelo encarnando o Cristo Redentor, porém vivo, em situações urbanas e irreverentes — jogando sinuca, indo para a balada, curtindo uma piscina, fazendo “crowd surfing”. Tudo isso com a assinatura “Pure Spirit of Brazil”.

O Cristo humano, descolado e mundano — chocou, mas funcionou, especialmente em mercados europeus como Londres, Paris e Berlim. A campanha foi capa de revistas de design e tendências como a Wallpaper* e gerou buzz exatamente por brincar com o símbolo máximo do Brasil cristão, agora retrabalhado com ironia, leveza e estética pop.

Cool Abroad to be cool in Brasil

Essa campanha resume perfeitamente o “efeito Havaianas” que discutimos:

A Sagatiba, sob a liderança de Moraes, entendeu que a cachaça — embora brasileira — carregava estigmas locais. Investir primeiro na imagem internacional e aspiracional foi uma estratégia pensada para reposicionar o produto também para o público brasileiro depois.

Se Moraes tivesse investido o mesmo montante no Brasil, teria funcionado?

Muito provavelmente não.

A validação gringa ainda opera como chancela no imaginário da elite brasileira. Foi esse desejo de ser visto como algo internacional que ajudou a cachaça Sagatiba a se tornar uma marca global, abrindo caminho para ser depois absorvida pela Bacardi.

O branding internacional ofereceu à marca o pedigree necessário para vencer a resistência cultural interna, ainda fortemente marcada pela chamada síndrome de vira-lata — expressão cunhada por Nelson Rodrigues para descrever o complexo de inferioridade do brasileiro em relação ao que é nacional.

Outras Marcas Cool Abroad

Essa dinâmica não se limita a produtos como cachaça ou sandálias. Também se aplica à arte, à música e à moda. Um exemplo clássico é o do artista Romero Britto. Nascido em Pernambuco, Britto teve que sair do Brasil para ser valorizado. Seu trabalho explodiu primeiro em Miami e em galerias da Europa antes de ser reconhecido no seu próprio país. Hoje, é um dos artistas brasileiros mais conhecidos internacionalmente mas durante muito tempo foi visto com desconfiança por aqui, por conta de seu estilo pop e comercial de mais. Só depois de conquistar o “olhar estrangeiro” é que passou a ser tratado com o respeito que já tinha lá fora (e mesmo assim, muitas vezes aqui no Brasil as pessoas torcem o nariz para o seu trabalho).

Esse fenômeno também se repetiu com outras marcas brasileiras com a Melissa, conhecida marca de calçados de plástico da Grendene conquistou fashionistas de Nova York, Paris e Londres com colaborações de designers como Karl Lagerfeld, Vivienne Westwood e Jean-Paul Gaultier. Só então ganhou novo prestígio no Brasil, transformando-se de sandália infantil em objeto de desejo adulto.

Outro exemplo foia a Chilli Beans, a marca de óculos e acessórios investiu primeiro em lojas-conceito no exterior para criar uma imagem ousada e global — o que ajudou a consolidar sua presença como símbolo de lifestyle jovem também no Brasil.

Esse tipo de movimento revela uma verdade desconfortável: o brasileiro ainda precisa da validação externa para reconhecer o valor do que é seu.

E é exatamente esse o desafio que enfrento com o Cauim Tiakau. Uma bebida ritual, ancestral e brasileira até o osso, mas que talvez precise primeiro conquistar paladares em Tóquio, Copenhague ou São Francisco antes de ser levada a sério por aqui.

Hoje, ao pensar em projetos como o Cauim Tiakau, que resgata uma bebida ancestral brasileira com potencial transformador, é impossível ignorar esse fator: ser valorizado lá fora ainda é, para muitos produtos, a porta de entrada para o sucesso aqui dentro.

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